Macumba

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quinta-feira, 30 de julho de 2020

Precipício


 69 x 0 da Alerj e Aéreo 93 USA

1.   Introdução
2.   Toda Unanimidade é Burra
3.   4 x 1 – Último Recurso
4.   Controle Operacional
5.   Conclusão

1.   Introdução
Em junho de 2020 a Alerj atochou no Governador a abertura de impeachment pelo fantástico placar de 69 x 0, estando agora, enquanto esse texto é redigido, em prazo para Witzel entregar sua defesa prévia. O motivo “real” seria suposta pressão que ele teria posto em alguns Deputados, notadamente investigações contra eles, sejam essas oriundas de grampos ilegais ou orientação informal do governo aos Delegados em inquéritos sobre o crime organizado e suas ramificações. Motivo “dito real” pois é o que os Deputados dizem a pessoas próximas a eles, mas mesmo que acreditem nisso não é o que indica uma análise profunda ante o panorama completo, como veremos.
Já o motivo alegado formalmente no procedimento são as investigações da PF contra Witzel e sua esposa no COVIDÃO.
Por óbvio, o motivo alegado pelos Deputados estaduais RJ é piadista vindo de uma sede com metade dos integrantes envolvidos em rachadinhas, alguns presos domiciliares, outros em situações parecidas, porém todos juram inocência. Daí num processo cuja principal prova contra o Governador é um contrato de advocacia de 15 mil Reais envolvendo sua esposa fica evidente que a unanimidade obtida na Alerj pode ser muita coisa mas não é nem de longe preocupação com suposta corrupção do Governador. Mesmo a ciência dos 10 milhões de Reais supostamente apreendidos na casa de seu ex-secretário de saúde na semana passada (apreensão feita após a data da votação 69 x 0) justificaria esse placar.
Já no aéreo 93 os passageiros só se insurgiram contra os sequestradores quando se deram conta do atentado ao WTC através de telefones disponíveis no avião, e então passaram a acreditar no tudo ou nada, ou seja, retomar o controle do avião ou morrer na mão dos assassinos sequestradores.
Tudo ou nada dos passageiros do 93 seria motivação equivalente à unanimidade da Alerj? Analisemos!

2.   Toda Unanimidade é Burra
Frase antiga e bastante repetida no Brasil recente por famoso poeta. Sim, unanimidade é algo bastante complicado de ocorrer aleatoriamente. E isso já vale por exemplo com 5 pessoas opinantes, certamente 10 ou 20 já é muito difícil ocorrer a voz uníssona, daí 69 x 0 é um extremo que não acontece por acaso.
Por certo esse placar significa algo mais forte do que a questão em si ou ao menos assim os Deputados estão tratando a votação. Provável ressentimento por operações da PF prendendo alguns Deputados nos últimos 3 anos em coordenação com o TRF 2. Apesar de Witzel não ter participado dessas atividades ele integrava esse tribunal pelo que os Deputados podem estar jogando toda raiva que sentem dos agentes criminais, notadamente juízes e delegados, nele por ter sido juiz vinculado ao órgão que expediu as ordens de prisão.
Sim, é incoerente, não há qualquer motivo pessoal a atochar essa raiva no Witzel, pois além dele não ter participado dessas operações ainda abandonou o cargo de juiz para entrar nessa eleição de Governador. Logo além de não ser mais magistrado, e pelas regras do CNJ nem mais poder voltar ao cargo, se aventurou no sistema eleitoral porque não se sentia satisfeito na carreira de juiz. Assim, não faz a menor coerência ou sentido os Deputados numa unanimidade extremely de 69 destilar todo o nojo que sentem dos seus “algozes” do TRF 2 e da PF em cheio no Witzel.
Porém, a mente humana funciona por segmentação e nessa perspectiva é compreensível que isso tenha ocorrido, pois eles provavelmente ainda enxergam no Witzel a figura de Juiz do TRF 2. Lamentavelmente, não há qualquer outra explicação que demonstre a motivação do 69 x 0. Ou seja, certo é que os Deputados se autoinflingiram uma necessidade de votar em bloco. Essa combinação, a razão pela qual todos grudaram num rolo compressor tratado em zap é um mistério, pois ceder a própria individualidade em favor do coletivo acusatório não é a tradição brasileira. Mas algo contaminou a todos e por certo as interferências prisionais recentes do TRF 2 são a causa per si mais contundente.
Reagir a supostos ataques é válido, mas não contra o atacante errado. O abraço do afogado é inevitável ante o desespero físico, mas não na tranquilidade de um gabinete de Deputado da Alerj. Witzel não pensa como o grupo de agentes criminais que agiram sobre a Assembleia. Ao contrário, ele talvez nem prenderia os Deputados se tivesse sido o juiz que tratou do caso. Porém o abraço do afogado é isso mesmo. Triste é ver essa atitude equívoca no “marasmo” de um gabinete parlamentar.

3.   4 x 1 – Último Recurso
Houve muita informação imprecisa sobre os atentados de 2001 inclusive vastas teorias da conspiração tanto sobre a liderança dos ataques quanto sobre a execução. Mas considera-se o veiculado no filme pois o Diretor Paul Grenngrass fez um excelente trabalho investigativo que lhe permitiu a certeza necessária tanto para elaborar a dramatização quanto para afirmar outros fatos paralelos aos ataques. Não há nenhum motivo para descrédito no Diretor que já fez grande sucesso com a saga Bourne e no presente caso se disponibilizou para fazer um filme documentário com considerável pesquisa de campo num evento de interesse internacional.
Houve 04 sequestros de aviões, todos bem sucedidos no que tange ao embarque dos terroristas e a tomada da sala de comando da aeronave. Desses 04, houve êxito absoluto em 03 deles, ataques às 2 torres do WTC e ao Pentágono, já  o quarto caiu num gramado minutos antes de atingir a Casa Branca, certamente o alvo mais ousado de todos por envolver a defesa da Presidência do País e também pela história do próprio prédio com mais de 200 anos.
O aéreo 93 da United não atingiu a Casa Branca porque os sequestradores demoraram mais do que o planejado para agir dando tempo para os ataques ao WTC serem passados aos passageiros da aeronave pelo telefone da United pago com cartão de crédito. E também, ante o retardo, a rota acabou ficando maior entre o momento que os sequestradores agiram e seu alvo Casa Branca, da mesma forma dando mais tempo aos passageiros deliberarem, para então executarem a retomada da sala de comando.
Como é de se esperar, os passageiros só decidiram confrontar os sequestradores quando se deram conta que eram suicidas como os do WTC. Daí era imperioso retomar o controle operacional da aeronave.
A questão do último recurso do 93, matar ou morrer, seria paralelo com a atitude de bando do 69 x 0: qual a semelhança psicológica do passageiro do 93 em decidir atacar os sequestradores ou morrer, com o estado psicológico dos deputados que votaram coletivamente pelo impeachment?
Certo é que quando se vota em manada abandona-se a própria individualidade pelo que se está colocando os interesses marginais como prioritários frente aos próprios interesses.
Essa atitude, vale frisar, é comum no partido comunista chinês onde a preocupação com unanimidade é premente.
Claro tanto no caso do 93 como no governo carioca o controle operacional é relevante. No avião se não retomado o controle da sala de comando iam todos explodir na Casa Branca. Já no governo, seja na presidência chinesa ou no impeachment 69 x 0, a figura do líder administrador dos cofres públicos é o foco. No 93 só houve unanimidade diante da morte certa, já no 69 x 0 a unanimidade pode até ter algo da presidência chinesa como um ódio a controvérsias no ambiente do líder supremo, provavelmente para o povo mandarim se impor como cultura aos demais países.
No seio da Alerj a casa está diante de uma novidade no governo: um cidadão que saltou de paraquedas nas eleições e por “ironia do destino” logrou êxito inclusive contra um renomado candidato, Paes. Witzel não vê os deputados como inimigos, mas a recíproca é outra. Então se fizermos a mesma analogia do partido chinês resultaremos que a Alerj reconhece no Witzel um estrangeiro, e por isso digno de desconfiança, sendo esse o motivo pelo qual todos aderiram a uma suposta necessidade coletiva de se manifestarem por unanimidade.
Esse é um contundente erro estratégico. Não foi Witzel que prendeu deputados nos últimos anos. E ainda que o acusem de ter integrado o TRF 2 de onde saíram as ordens de prisão isso também estaria superado, pois Witzel tomou a difícil decisão de largar o cargo de juiz federal que tem estabilidade ao contrário de cargo eleitoral que demanda renovação e ainda ganha mais que Governador, não só no salário oficial, mas também nos penduricalhos de contracheque. Sem falar nos 2 meses de férias.
Logo, mesmo aos deputados certos de que a Alerj foi gravemente sacaniada pelos juízes do TRF 2 que cuidaram das operações da PF ainda assim não há como atribuir tal mal estar ao Witzel, tanto porque ele não oficiou nesses casos, quanto porque ele abandonou o TRF 2 para se aventurar nas eleições sem qualquer garantia seja de um lado ou de outro. No lado do TRF 2 não mais poderia voltar, pois essa é a orientação do CNJ. E no caso da eleição ele não tinha nenhum apoio visceral de qualquer cacique famoso nem outro motivo para vencer, tendo sido uma grande zebra, segundo expressão carioca.

4.   Controle Operacional
Existem situações em que o controle operacional torna indivíduos uma só “embarcação”, como é o caso de um avião de passageiros onde um piloto pode ceifar a vida de todos. Esse panorama é consequência do uso da tecnologia, pois numa tribo indígena não há equipamentos, como barcos, naves, metralhadores, bombas até de destruição em massa como as nucleares as quais possam garantir a intervenção de uma pessoa impelindo a morte a nível de massacre. Ainda que numa tribo se possa atribuir considerável liderança ao cacique se ele enlouquecer e quiser matar alguém não pode simplesmente apertar um botão de bomba ou metralhar dezenas de índios.
Então, vale decifrar o real significado do controle operacional à coletividade que dele dependa, assim como apontar os fundamentos estruturais que se estabelecem entre as pessoas que estejam enquadradas, ou seja: até que ponto se está no mesmo barco que outrem?
Claro no caso do 93 o liame é evidente. Ou os passageiros se uniam pra retomar o comando ou morreriam. Nessa situação extrema a questão é de fácil visualização, exatamente ao contrário do 69 x 0, pois a tentativa dos deputados de retirar o controle operacional RJ do Witzel é fruto de revolta de péssima pontaria.
Os Deputados RJ não ganharão nada retirando o comando de Witzel, pois ele não é uma “menininha do judiciário”. Ao oposto ele largou seu cargo no TRF 2. Se ao que tudo indica estando os Deputados imitando o partido chinês em votar por unanimidade estão fazendo de forma totalmente destrambelhada se considerada a relação entre meios e fins dos políticos chineses e a finalidade visada pelos Deputados RJ. O Witzel não é o TRF 2 sequer representa concretamente qualquer valor da carreira de juiz, enquanto que a Alerj não é a China, muito pelo contrário, o Rio é um recente caldeirão cultural unindo valores europeus, africano nativos e indígenas dentre outros face a cultura milenar chinesa cujo um dos maiores símbolos é a muralha construída por séculos com a motivação de separar os valores internos mandarins dos princípios das além pátrias.
Witzel capotado do governo implicará na posse do vice de maneira que não chega a ser a queda de avião com a morte de todos, porém o fato em si demonstra um caminho nebuloso na medida que os deputados RJ estão tão cegos em seu ódio ao TRF 2 quanto os sequestradores estavam cegos em seu ódio aos valores dos EUA. Quiçá até mais, pois os sequestradores atribuíam o ataque a ordens transcendentais, enquanto que os Deputados RJ não estão agindo motivados pela sua fé particular, mas por um sentimento de vingança totalmente despropositado, ou seja, sem conexão entre o meio empregado e o fim visado.
No caso do 93 o controle operacional ficou na mão de religiosos que acreditavam agir a serviço de divindade bíblica que ordenava atacar o povo dos EUA. Os sequestradores iriam matar não só os passageiros, o que de outra forma aconteceu na queda, como também os trabalhadores ou passantes da Casa Branca, podendo inclusive assassinar o Presidente, pois no filme consta que não se sabia o avião estava a poucos minutos de explodir o palácio presidencial. E, mesmo considerando a bateria antiaérea do prédio os sequestradores estavam treinados para atingir o alvo com alta velocidade o que gera dúvidas se esse aparato defensivo seria de alguma utilidade.
O fato é que no jogo de vida ou morte desses atentados o principal objetivo dos sequestradores não foi alcançado por medidas defensivas internas do seu “próprio aparato”, pois tomadas pelos passageiros da aeronave sequestrada, enquanto que nenhuma medida defensiva geral de espaço aéreo ou defensiva do prédio estava em andamento.
No caso da Alerj não há nenhuma medida defensiva interna que possa ser empreendida pelo Witzel, pois o impeachment é procedimento iniciado, instruído e concluído na Alerj, com pequena participação do judiciário na conclusão. Assim, no impeachment atroz do RJ não há passageiros que possam dar combate ao plano vingativo.
Então, se o ímpeto vingativo dos deputados for no mesmo nível dos sequestradores do 93 nada salvará o RJ do afastamento de seu governador de forma horrivelmente injusta e covarde.
Curiosamente o filme dá ênfase num passageiro aposentado que já pilotou pequenos aviões e por isso saberia pousar, pois os pilotos originais estavam mortos. Então, ele disse aos lutadores que iriam enfrentar os sequestradores que a aeronave estava voando muito baixo e por isso assim que invadissem a sala de comando o piloto-sequestrador deveria ser imediatamente imobilizado. Infelizmente ficou só no aviso, pois o sequestrador lutou com todas suas forças para continuar na cadeira conduzindo o avião até a Casa Branca pelo que acabaram caindo e matando todos a bordo após instantes de combate entre alguns passageiros e ele.

5. Conclusão
Por evidente, crucificar Witzel é mera estupidez. Não é ele o “estranho” ou “estrangeiro” sacaniador do TRF 2. Pelo contrário, se tem alguém inocente nessa suposta sacanagem é ele, pois saiu do TRF 2 com uma mão na frente e outra nas costas. E deixou a carreira de juiz exatamente para ingressar no campo dos supostos sacaniados, cargos eleitorais. Capotar o governo do Witzel é além de inútil instrumento de retaliação ao TRF 2 como ainda é ataque a quem largou o judiciário para agregar o sistema eleitoral. A expressão “tiro no pé” cai como uma luva no 69 x 0 dos Deputados RJ. Pena que não serão só os deputados que pagarão o pato dessa insanidade, serão também todos moradores do RJ. É que retirar um Governador atuante para colocar um vice sem expressão no cargo principal do RJ com seu histórico trágico recente não tem como não dar ruim. Bem, bem pior do que já está.