Macumba

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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Cálicles X Socrates.

A psique no diálogo Górgias.
1. Introdução com objetivo da exposição.
2. Intercomunicação sistêmica na Grécia antiga.
3. Heráclito.
4. Cálicles X Sócrates.
5. Conclusão com opinião do aluno.


1. Introdução com objetivo da exposição.
Academicamente há contundente discussão sobre que limites a filosofia grega impôs como legado e se esta herança já teria sido ultrapassada por novos filósofos ou outras áreas de conhecimento.
Um dos símbolos mais marcantes deste ponto foi Hegel. Ele ficou bastante conhecido tanto pela sua dialética por também se auto intitular o marco final da filosofia iniciada na Grécia antiga.
Entretanto, o presente trabalho tomará como premissa conceitos de Nietzsche sobre a autoafirmação do ser e que hoje são tratados como área dentro da psicologia.
2. Intercomunicação sistêmica na Grécia antiga
A Grécia antiga consubstanciou um peculiar momento de plena integração entre as pessoas, o que fica claro pelos seguintes relatos históricos:
 Julgamentos em que os juízes eram retirados da própria sociedade e em grande número.
 O povo grego cultuava seus deuses através de contos urbanos, não havendo uma pessoa ou instituição que impusesse isto.
 Coerência entre o estilo de vida do grego e o que eles acreditavam.
Pelo outro lado, calcados na plena integração do povo entre si suas insatisfações eram projetadas ante quem não fosse conterrâneo, donde as guerras com as cidades próximas eram a exteriorização deste sentimento.
3. Heráclito
Talvez Heráclito tenha sido o filósofo grego que mais se aproximou da capacidade de identificar a própria psique, valendo citar o seguinte fragmento:
“Só uma coisa é sábia: conhecer o pensamento que governa tudo através de tudo”
A unicidade foi levantada por alguns filósofos gregos, conforme citado por Aristóteles na publicação metafísica.
Ainda que concebê-la não indique o reconhecimento da psique, denota compreensão sobre uma dialética mais abrangente a qual há de considerar o próprio ser como parte do todo.
Mas Heráclito há que se destacar por não ter provocado embates “inquisitoriais” como Sócrates ou Protágoras causaram, culminando com acusações que lhes foram feitas.
Heráclito preferiu se afastar do estilo de vida que não concordava ao invés de criticá-lo. Esta é uma postura que indica certa independência do meio social o que expõe uma psique mais identificada pelo seu dono.
Portanto, Heráclito teria sido o filósofo mais visionário de sua época ! Mas, pelo outro lado, morrer como um insano não denota força interior trabalhada.
Neste ponto, as circunstâncias da morte, Sócrates teria tido uma atitude lúcida até o final, conforme o diálogo Fédon.
4. Cálicles X Sócrates.
O diálogo Górgias na parte da conversa entre Cálicles e Sócrates mostrou um raro momento de libertação do grego da forte imanência a sua cidade, valendo a seguinte leitura:
“Cálicles — Já o disse: os que entendem dos negócios públicos e são corajosos. A esses é que compete governar as cidades, mandando a justiça que tenham mais do que os outros, os governantes mais do que os governados.
Sócrates — E com relação a eles próprios, amigo: são governantes ou governados?
Cálicles — Que queres dizer com isso?
Sócrates — Digo que cada um deve comandar a si mesmo. Ou não haverá necessidade de ninguém comandar-se a si mesmo, mas apenas aos outros?
Cálicles — Que entendes por comandar a si mesmo?”
Como se vê, este é um raro trecho revelador de um raciocínio embrionário que justifique a crença de separação entre o ser e o ambiente que vive. Ou mais precisamente dizendo, uma crença que reconheça a possibilidade que mudanças internas são aptas a causar reflexos no meio.
É que os gregos não acreditavam em uma força interior que haveria de ser resolvida por si só. Para eles todas as batalhas teriam de ser travadas na sociedade.
Este embate esbarrou nos limites da imanência e chegaram a “chutar as paredes” de seus contornos como quem quer enxergar mais adiante. No entanto, nem o filósofo Sócrates ou seu alter ego sofista Cálicles demonstraram compreensão da existência de uma própria força interior (psique).
É o que transparece da resposta do filósofo:
“Sócrates — Não se trata de nada abstruso; a esse respeito penso como todo o mundo: ser temperante e dono de si mesmo, e dominar em si próprio os prazeres e os apetites.
Cálicles — Como és engraçadinho! Aos simplórios é que dás o nome de temperantes?
Sócrates — Como assim? Não há quem não perceba que não foi isso que eu disse.”
“Ser dono de si mesmo” é uma frase que poderia remeter ao homem que se autoafirma em sua existência, segundos conceitos de Nietzsche. Mas não foi isto que Sócrates quis dizer. Seu raciocínio não caminha no sentido do desenvolvimento da psique, ou seja, de desabrochar o inconsciente.
Sócrates defendeu que autocontrole é manter o hedonismo domado, ou seja, não alcançou o desabrochar da psique.
Por sua vez segue transcrição da passagem mais bela que se tem registro dos textos antigos:
Cálicles — Foi isso, precisamente, Sócrates. Pois como poderá ser feliz quem for escravo do que quer que seja? O belo e justo por natureza, digo-o sem o menor constrangimento, é que quem quiser viver de verdade, longe de reprimir os apetites, terá de permitir que se expandam quanto possível, e quando se encontrarem no auge, ser capaz de alimentá-los com denodo e inteligência e de satisfazer a todos eles à medida que se forem manifestando. Mas isso, justamente, segundo penso, é que não é para toda a gente; eis porque a maioria dos homens censura as pessoas capazes de assim viver, por se envergonharem da própria debilidade, que procuram esconder, e qualificam de feia a intemperança, para escravizarem, conforme disse há pouco, as pessoas bem-dotadas por natureza. Sendo incapazes de satisfazerem suficientemente suas paixões, elogiam a temperança e a justiça com base em sua própria pusilanimidade. Pois para os que nasceram filhos de reis, ou que por natureza sejam capazes de conquistar algum império ou o poder e qualquer domínio: haverá nada mais vergonhoso e prejudicial do que a temperança para semelhantes indivíduos? Tendo a possibilidade de gozar de todos os bens, sem que ninguém se lhes atravesse no caminho, iriam impor a si mesmos um déspota, a saber, a lei da maioria, e o falatório dos outros, e as censuras? Quão infelizes não se tornariam, pelo fato mesmo da beleza da justiça e da temperança, se não pudessem dar mais aos amigos do que aos inimigos, e isso apesar de serem donos de suas próprias cidades? O certo, Sócrates, é que a verdade que tu presumes procurar é simplesmente isto: o luxo, a intemperança e a liberdade, quando devidamente amparados, é que constituem ao certo a virtude e a felicidade. Tudo o mais, todos esses enfeites e convenções contrárias à natureza, não passam de palavrório sem valor.”.


Infelizmente, a contestação que se seguiu de Sócrates foi evasiva.
Ao que pareceu deste discurso é que o alter ego foi além da “locomotiva”.
A primeira parte do parágrafo é a exata premissa de quem quer desenvolver a psique: “que quem quiser viver ao máximo, longe de reprimir os apetites, terá de permitir que se expandam quanto possível, e quando se encontrarem no auge, ser capaz de alimentá-los com denodo e inteligência e de satisfazer a todos eles à medida que se forem manifestando.”.
Esse é o caminho para a autoafirmação através de potencializar a força interior.
Mas, é uma pena que não foi isto que Cálicles quis dizer. Sua premissa é certeira, mas sua conclusão gira em torno da manipulação do ambiente em seu favor. Ou seja, Cálicles pretende ser livre relativamente ao ambiente que vive.
Enfim, ele quer dominar a sociedade segundo sua conveniência. Não pretende desabrochar sua força interior para que através do conhecimento dela expandir sua sensibilidade em favor de sua liberdade.
Aqui está clara a diferença entre a filosofia antiga e a contemporânea:
A liberdade ao grego é relativa, ou seja, não ser dominado por outros homens, e se for o caso impor a sua força quando necessário ou prazeroso.
Já a liberdade na filosofia após o esboço da ética de Spinoza com a conclusão de Niesztche sobre a moral é outra: desabrochar a psique para através de seu autocontrole/sensibilidade se alcançar a absoluta liberdade/felicidade.
Como se vê, o grego era cego além dos limites da imanência.
Fazendo uma comparação do grego antigo com o homem moderno, é viável se dizer que o autoconhecimento de um grego perante a realidade não passaria de um feto perante a sua mãe, ou seja, totalmente imanente ao ambiente e com todos os sinais da autêntica liberdade indiretos e imprecisos.
Por fim, acerca do estágio ideal apontado por Cálicles: Virtude e felicidade, baseados no hedonismo, luxo e liberdade; são expressões de uma busca que em última análise não passam de valores efêmeros, conforme foi descrito por Sócrates em longas falas no diálogo sob análise.
Sentimentos de integração ou prazer, ainda que admitidos como objeto da vida não passam de consequências cujas causas não são passíveis de debates ante seu caráter pessoal, ou seja, diferente a cada indivíduo.
Mesmo que se admitisse uma vida hedonista, cercada de amor, como modelo, os caminhos para se atingi-la seriam diferentes para cada ser, razão pela qual qualquer tentativa de defini-la não se insere no campo do debate das ideias, por serem questões resolvidas no caso concreto e em caráter individual, não valendo para uma pessoa a causa que causou prazer a outrem.
Talvez, a sensação mais próxima de hedonismo coletivo seria o uso de drogas, mas, como se sabe, mesmo quando se usa drogas que causam sensação de prazer há de se ter temperança, para não se acabar em uma clínica e ser privado delas.
Em suma, temperança e hedonismo são duas faces da mesma moeda, como a vontade de comer e a necessidade de parar e refletir até que ponto a sensação causada é agradável.
Passando desde ponto avancemos até o conceito de política, também tratado neste diálogo:
“Sócrates — Creio ser um dos poucos atenienses, para não dizer o único, que se dedica à verdadeira arte política, e que ninguém mais, senão eu, presentemente a pratica. Visto nunca entabular conversação com qualquer pessoa com o intuito de adquirir-lhe as boas graças e só ter em mira o que é mais útil, não o mais agradável...”.


Este conceito não é o da política moderna, hoje intrinsicamente ligada a arte da convivência, ou seja, conciliar os interesses pacificamente.
Sócrates expôs conceito que se insere no âmbito da filosofia, pois questionar o cotidiano é matéria afeta ao filósofo. É ele que se ocupa de questionar os acontecimentos independentemente das consequências que daí advenham.
Não é a toa que os limites do filósofo são dados pelo seu alter ego, conforme lecionou Barbara Cassin. É que por mais inteligente que alguém seja, para se dirigir ao próximo há a necessidade de comunicação.
E, para haver comunicação há a necessidade dos dialogantes estejam aptos a compreender o objeto da discussão.
5. Conclusão com opinião do aluno.
Penso que este mundo é uma espécie de teste cujo sucesso gira em torno de se destacar a psique da realidade, ou seja, reconhecer que o acontecimento é reflexo da cultura da sociedade.
Ser um notável filósofo como Niestzche não significa que as idéias que se defendam são as incorporadas internamente. Ele pode ter tido várias interpretações consistentes da realidade, mas se limitou a comunicá-las aos seus semelhantes ao invés de absorvê-las internamente as contrapondo com as raízes do inconsciente.
Como se vê, existe uma vala que separa a verdadeira dialética deste mundo:
Em um lado temos o inconsciente que é a verdadeira psique, ou força interior, do ser. Trata-se da soma de crenças que a pessoa carrega desde sua formação cerebral, aproximadamente sexto mês de gravidez segundo alguns estudos de ressonância que reconhecem atividade elétrica.
A psique é totalmente desconhecida a seu dono, e é totalmente identificada com a energia sexual. Esta se exterioriza através da vontade de se sentir vivo, a vontade de interagir com o mundo de forma sincronizada.
De outro lado temos os fenômenos, os quais são tudo o que acontece racionalmente, ou seja, as escolhas entre ficar onde se está ou se mover.
Claro é que todas as escolhas neste mundo sempre são tomadas ao estilo binário, ou seja, continuar ou sair.
Didaticamente temos:
Para a psique o código binário é: Ou lutar pela vida, pela sincronismo; ou lutar pela morte, pelo status social.
Quanto aos fenômenos, ou seja a razão dentro do ambiente externo, o código binário é: continuar no circulo de conectividade relativa (com as outras pessoas); ou sair dele.
Por exemplo: sair de um emprego. Interessante ressaltar que para efeito racional nunca se está entrando em nada.
Vejamos, quando se está desempregado, e, ainda assim, nega-se a ingressar em uma oportunidade a opção não foi em não entrar no emprego, mas sim de continuar desempregado.
Isto ocorre porque como a psique é formada com todos os seus “encantos” antes da gravidez, então, os fenômenos que vão acontecendo são reflexos do desabrochar do que está latente/escondido no inconsciente.
Em suma, se o ser não tem interesse em “entrar” num novo ambiente é porque sua psique não tinha nada a desabrochar lá.
Mas aí temos um paradoxo, se todos estão conectados a sociedade por que os seres mais evoluídos são mais independentes da vontade cultural?
O paradoxo está claro: se a realidade deriva da psique então como alguns projetam a realidade mais no ambiente externo do que outros.
Por certo, quanto menos o ser projeta sua psique nos reflexos externos menos dependente da vontade alheia também é.
A única conclusão que chego ante este emblema é que este mundo é uma mera plataforma de um sistema maior.
E, nesta plataforma o que mantém as pessoas conectadas são os compartilhamentos das mesmas obscuridades da mente.
Talvez este mundo seja um desafio para quem está nele e a vitória não resida com quem for mais forte sob o aspecto comparativo/competitivo, mas para quem seja capaz de se impor perante o próprio sistema, limitado pelo tempo/espaço.
Nesse ponto julgamentos como o de Sócrates são lembrados, pois ele se impôs não perante um indivíduo, mas perante o modo de crenças de sua época.
Ocorre que se impor perante um modo de crenças nada mais é do que ser um lutador não contra outro, mas sim um lutador contra toda a coletividade. Neste ponto fica clara a relevância de um povo tão sintonizado entre si a ponto de se integrar/levantar um questionador com a inteligência de Sócrates.
Mas Sócrates não tinha a psique evoluída internamente, ele só foi a expressão de liberdade perante uma coletividade de um determinado tempo/espaço.
A psique plenamente evoluída não faria parte deste mundo, assim como uma pessoa que não gosta de doce ignora um belo quindim.
Portanto, quanto mais evoluído se é mais trabalhada deve ser a capacidade de enxergar o próximo como entidade independente e como tal livre para sua próprias opiniões.
Enfim, analisando estas premissas só há como se chegar a duas conclusões:
1. A evolução neste mundo há de caminhar independentemente de reconhecimento de outras pessoas.
2. O relacionamento entre as pessoas sempre se resolverá em política ou luta/guerra. Política significa respeitar o próximo considerando as limitações individuais. Sob este aspecto a política seria a síntese da dialética entre a filosofia e o sofismo. É a junção da verdade com o respeito. Verdade porque quanto mais transparente se for melhor será à política. E respeito porque ser transparente não implica em mostrar o caminho para quem quer ficar estagnado.
Ser transparente é estar pleno no momento. Não é chegar a um almoço e dizer que gosta ou antipatiza com alguém só porque se pensa assim. É fazer parte do almoço e conversar com quem gosta e não puxar conversa com quem não gosta. Esta é a verdadeira política, ou a ética mediando as relações sociais.
Infelizmente a política sempre adotou o provérbio: “mantenha seus amigos pertos e seus inimigos mais perto ainda”.
Como se vê esta é uma frase platônica, porquanto projeta a psique no ambiente externo e daí a necessidade de se proteger das ameaças e se apropriar do que há de bom.
Nietzsche denominaria esta atitude de utilitária, própria da força fraca.
Política é acreditar que o próximo é capaz de alcançar seus objetivos, sejam eles quais forem.


Bibliografia:
Versão eletrônica do diálogo platônico “Górgias”
Tradução: Carlos Alberto Nunes
Créditos da digitalização: Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia)
Homepage do grupo: http://br.egroups.com/group/acropolis/.
CASSIN, Barbara. Ensaios sofísticos.
HEIDEGGER, Martin. Hegel e os Gregos.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Heráclito de Éfeso.
Metafísica de Aristóteles, tradução Marcelo Perine.
NIESTZCHE, Friedrich, Genealogia da Moral, Companhia de Bolso