Macumba

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sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Despejo


Excelentíssimo Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil











Felipe dos Santos Fontes, brasileiro, natural do Rio de Janeiro, residente a Rua Guernica 1, Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro/RJ, 21 8031, CPF 000.833.897-64, servidor público federal, nascido 10 de abril de 1976, eleitoral 09262310, zona 009, seção 0272, email felipes@gmail.com oferece

                       

                       Denúncia



por crime de responsabilidade, ou dito internacionalmente Impeachment, face o Excelentíssimo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, nos termos do artigo 218 do Regimento Interno dessa digníssima sede legislativa, e o artigo 85 da Constituição da República.



                      Preâmbulo

Como é notório, no dia 03 de janeiro de 2020, data no Iraque, o Presidente dos EUA Donald Trump confirmou a autoria do ataque ao carro do General Qasen Sulaimaine do Irã numa manobra por drone bélico guiado dos EUA vindo a matá-lo junto com todos integrantes do veículo.

Numa análise simples do ocorrido essa empreitada violou princípios de territorialidade entre nações além do direito universal que assiste a qualquer ser humano de ser julgado antes de sofrer condenação em especial a morte. Também, o efeito colateral assassinando os demais integrantes do carro.

Lado outro, essa manobra foi justificada pelo autor como necessária a evitar ataques terroristas que o General estaria planejando. Certo é que não houve autorização da ONU, tendo os EUA agido se valendo no que em nossa legislação pátria denomina “de fazer valer as próprias razões”. É que alegou legítima defesa de seus nacionais, porém sob as leis da ONU em tempos de paz Presidente Trump não poderia ter utilizado de um drone para atingir carro estrangeiro em país alheio.

Daí, ainda que essa “empreitada” dos EUA venha a ser ratificada pela ONU, o que sob o aspecto jurídico daria amparo a intervenção bélica de um país em outro, isso seria irrelevante ao desfecho da presente denúncia face Jair Messias Bolsonaro. É que a legislação brasileira aponta: O Presidente da República não poderia apoiar o ato sem consulta ao Conselho de Defesa Nacional e autorização do Congresso.

Aliás pelas entrevistas do que ficou chamado “ala militar do governo”, mais precisamente Generais que trabalharam ou continuam trabalhando pela presidência, se houvesse debate sobre esse assunto mediante a devida convocação do Conselho tal nota jamais teria saído.

Por fim vale dissecar que o acerto da decisão de Donald Trump seja num panorama abastecido de análise por especialistas em direito internacional, quiçá num eventual julgamento pela ONU, não daria margem a validar a nota do Itamaraty porque trata-se de um ato de guerra e nesse caso a nossa Constituição exige autorização do Congresso para o Presidente se manifestar em especial quando adere ao país que atacou.

Ou seja, mesmo que haja reconhecimento internacional que Presidente Trump procedeu devidamente esse amparo jurídico consideraria que a manobra bélica foi justa diante do panorama de guerra.

Talvez uma nota de ajuda humanitária ou de apelo a ambas as nações por reflexões poderia ser veiculada independentemente do apoio do Congresso, jamais como foi feita alinhando o Brasil a um dos países beligerantes, notadamente a nação que iniciou o conflito. Esclareça-se em nenhum momento o General Sulaimaine reconheceu autoria dos supostos ataques alegados por Presidente Trump a sua embaixada e seus soldados.

Em suma, ainda que a ONU venha a aprovar o extermínio do General Sulaimaine junto com os efeitos colaterais tal aval não excluiria a sistemática que se tratou de um ato típico de confronto bélico internacional. E nesse caso nossa legislação é taxativa: o Presidente não poderia se alinhar a um dos lados sem autorização do Congresso, razão pela qual a presente denúncia deve ser regularmente processada.



        Da Fundamentação Jurídica

No dia seguinte a inquinada manobra dos EUA o Itamaraty soltou uma nota apoiando a empreitada.

Só que tal nota carrega a “mão invisível” da Presidência, por isso descabido seria propor o impeachment face o Chanceler subscritor posto notório ter sido orientado pelo Presidente, ante declarações do próprio nesse sentido. Então em outras palavras, quem detém a legitimidade a se opor a presente denúncia não é o Chanceler, mas sim o Presidente, inclusive pelo teor da nota extrapolar as atribuições do Itamaraty nos termos da Constituição:



Do Conselho de Defesa Nacional

Art. 91. O Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático, e dele participam como membros natos

§ 1º Compete ao Conselho de Defesa Nacional:

I - opinar nas hipóteses de declaração de guerra e de celebração da paz, nos termos desta Constituição;

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República

XX - celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional



Como se lê, em duas passagens da lei estruturante é inequívoco que o teor da nota do Itamaraty só poderia ter sido expedido pelo Presidente. Trata-se de um país atacando outro por si, ou seja, sem apoio de outros países ou qualquer conhecimento da ONU. Não há dúvidas da natureza da manobra. Aliás, em todas as entrevistas seguidas ao evento o Presidente Trump explicou a unilateralidade de suas alegadas motivações: retaliar ataques ordenados pelo General a Embaixada dos EUA, seus soldados; e evitar outras hostilidades contra sua própria nação sob ordens do exterminado.

Daí, no mérito do julgamento da grave falta funcional do Presidente está o descumprimento de relevante valor humanitário: o princípio da igualdade. É que como o planeta é dividido em nações independentes cabe a todas agirem como indivíduos entre si, ou seja com respeito recíproco em primeira mão e em segundo mão defendendo paridade entre todas as nações.

Nessa esteira é fundamentado o teor da lei 1079/50 regulamentando a atribuição constitucional da Presidência:  



Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União

DOS CRIMES CONTRA A EXISTÊNCIA DA UNIÃO

Art. 5º São crimes de responsabilidade contra a existência política da União:

3 - cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade.



Senão vejamos, o Presidente pode agir como chefe de Estado em acordos ou convenções internacionais, mas num caso de conflito bélico ele não pode se dar ao luxo de agir como árbitro tomando parte de um lado sozinho. E é por isso que se exige prévia convocação de órgão vinculado ao Presidente, o Conselho de Defesa Nacional e outro órgão permanentemente coletivo, o Congresso.

Por óbvio, a legislação se auto explica: numa situação que pode levar a uma guerra ou tencioná-la não cabe ao Presidente decidir sozinho que lado escolher. Logo, a nota do Chanceler encampada pelo Presidente transgrediu com toda força possível o conteúdo material da norma jurídica transcrita pelo que não há qualquer dúvida que Jair Messias Bolsonaro há de ser afastado por impeachment.

É que juridicamente a solução para evitar que esse conflito entre EUA e Irã tenha repercussão no Brasil como numa extensão indesejável de partidarismo, seja num futuro próximo ou remoto, está na própria Constituição. O Presidente não pode se manifestar sobre tal contenda sem a prévia consulta legislativa.

Então, há solução para a mancha ao Brasil causada pela adesão ao lado dos EUA: fazer valer a força normativa da Constituição e afastar Jair Messias Bolsonaro por ter se manifestado publicamente sem a autorização devida.

E, o procedimento previsto na Constituição é impeachment. Não há como olvidar que o Presidente comprometeu a neutralidade do Brasil sem a assistência obrigatória, qual seja, convocar o conselho e pedir voz ao Congresso.

Ressalte-se ainda que a roupagem legal do evento é de meros atos de guerra, pois não existe qualquer consulta ou intervenção na ONU a influenciar os países. Assim, mais trabalhada possível deve ser qualquer manifestação alheia que rompa a neutralidade, por não haver foro adequado ao debate.



            Dos Fatos Probatórios

No dia seguinte ao extermínio do General Sulaimaine tal nota foi postada na página do Itamaraty e replicada no twitter do Chanceler:



Ao tomar conhecimento das ações conduzidas pelos EUA nos últimos dias no Iraque, o Governo brasileiro manifesta seu apoio à luta contra o flagelo do terrorismo e reitera que essa luta requer a cooperação de toda a comunidade internacional sem que se busque qualquer justificativa ou relativização para o terrorismo.



O Brasil está igualmente pronto a participar de esforços internacionais que contribuam para evitar uma escalada de conflitos neste momento.



O terrorismo não pode ser considerado um problema restrito ao Oriente Médio e aos países desenvolvidos, e o Brasil não pode permanecer indiferente a essa ameaça, que afeta inclusive a América do Sul.



Diante dessa realidade, em 2019 o Brasil passou a participar em capacidade plena, e não mais apenas como observador, da Conferência Ministerial Hemisférica de Luta contra o Terrorismo, que terá nova sessão em 20 de janeiro em Bogotá.



O Brasil acompanha com atenção os desdobramentos da ação no Iraque, inclusive seu impacto sobre os preços do petróleo, e apela uma vez mais para a unidade de todas as nações contra o terrorismo em todas as suas formas.



O Brasil condena igualmente os ataques à Embaixada dos EUA em Bagdá, ocorridos nos últimos dias, e apela ao respeito da Convenção de Viena e à integridade dos agentes diplomáticos norte-americanos reconhecidos pelo governo do Iraque presentes naquele país. http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/21184-acontecimentos-no-iraque-e-luta-contra-o-terrorismo

                  

Quanto a postura do Presidente sobre o evento vale demonstrar sua cronologia. A primeira manifestação pública foi em entrevista com o Jornalista Datena no dia seguinte e horas antes da publicação da nota do Itamaraty:



O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, na Band, Bolsonaro reforçou que a posição do Brasil é “se aliar a qualquer país do mundo no combate ao terrorismo”. “Nós sabemos, em grande parte, o que o Irã representa para os vizinhos e para o mundo”, criticou, se alinhando à posição dos Estados Unidos. https://www.metropoles.com/brasil/politica-br/bolsonaro-e-itamaraty-aprovam-combate-ao-terrorismo



O Presidente foi o primeiro integrante da gestão federal a se manifestar sobre a manobra dos EUA. A entrevista foi no sentido do alinhamento a um dos lados da guerra, inclusive desconsiderando que o Irã é membro da ONU e fiel parceiro comercial brasileiro.

Somente a título de argumentação, considerando que o Chanceler pudesse ter emitido a nota em revelia ao Presidente, ainda assim o mandatário deveria ser diretamente responsabilizado, ainda que por omissão, em razão de sua atribuição exclusiva para o ato jurídico composto com o pedido de aval ao Congresso.

Portanto, não há dúvida. O impeachment deve ter como sujeito passivo Jair Messias Bolsonaro, pois juridicamente se não tiver que responder pela subscrição da nota terá que responder por ter se omitido diante de sua publicação tendo como única evasiva a escapar da legitimidade passiva da presente ação, vale dizer a mero título de argumentação, a defesa de que somente tomou conhecimento da manifestação do Chanceler por ocasião do recebimento dessa denúncia.

Mas, por certo, sendo o Presidente homem aliado a verdade inclusive sendo esse seu slogan pessoal tal evasiva não será aposta por ser incrível.

Após a publicação da nota o Presidente evitou se manifestar incisivamente sobre o ataque com drone ainda que continue com o mesmo “papo” sobre a questão internacional no sentido de que os EUA são dignos de confiança e o Irã de duvidosa ligação com terrorismo. De qualquer forma até o presente momento, dia 07 de Janeiro às 12:00 hrs, a inquinada ainda consta da página do Itamaraty, apesar das tensões entre ambos países só aumentarem desde o evento mesmo ainda em luto oficial no Irã.



        Do Direito Internacional ao Julgamento

Para exaurir o assunto em tratamento vale além de citar a legislação e apontar provas também apresentar lições do direito internacional e humanitário.

Assim, vale reforçar com a doutrina que a diferença entre o estado de paz ou estado de guerra não é aferido por causas e sim por consequências. Nenhuma sociedade humana poderá garantir ausência de violência donde ela ocorre tanto na paz ou na guerra. Então como diferenciar um estado do outro?

A judicialização dos atos coercivos, ou seja, ninguém pode subjugar outrem.

Houve isso no caso do General Sulaimaine? Presidente Trump afirmou ele estar envolvido em atos terroristas contra americanos, mas não apresentou qualquer prova, nem garantiu cenário mínimo de julgamento, sejam defesa, jurados, acusação pública.

Então a manobra foi um ato de guerra.

Mas, esta denúncia não tem a menor pretensão de analisar ou muito menos julgar o acerto da atitude empreendida pelos EUA. Daí delimitada a natureza do acontecimento vale transcrever a doutrina:

“O Direito internacional também impõe obrigações aos indivíduos, com o poder de submetê-los ao julgamento e à punição internacional.” Flávia Piovesan citando Louis Henkin. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Página 128, quarta edição.

 Para haver a punição é necessário o julgamento. E a pena de morte é a pior condenação a que um Tribunal pode submeter o indivíduo. Logo a decisão tomada pelo EUA de exterminar o General Sulaimaine não se insere no campo do direito internacional, se insere no campo de atos de guerra.

Quanto a isso incabível a nota do Chanceler bem como as seguidas manifestações do Presidente Bolsonaro no sentido de taxar o exterminado de terrorista. Se o lado dos EUA praticou um ato estranho ao direito não há porque dizer que o outro lado é praticante de terrorismo que é eminentemente uma qualificação do direito em tempos de paz.

Ou com outras palavras, se o Presidente Bolsonaro acusa o lado do Iran de terrorismo, e aplaude o lado dos EUA por “exterminar” certo terrorista, então nosso Presidente faz dois pesos e duas medidas acreditando que só o Iran deve obediência a lei.

Assim, o Brasil toma parte no conflito bélico internacional sem qualquer autorização do Congresso em frontal corrompimento do texto Constitucional.

Vale ainda transcrever doutrina citando experiência histórica de uma pós-guerra internacional para que tal evento não se renove:

“Criada após a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações tinha como finalidade promover a cooperação, paz e segurança internacional, condenando agressões externas contra a integridade territorial e independência política de seus membros.” Flávia Piovesan. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Página 124, quarta edição.

Aqui novamente o Presidente Bolsonaro ignora a liturgia de um chefe de Estado ao reiteradamente nas lives e entrevistas seguidas ao evento questionar se o General seria mesmo General sugerindo inclusive ligação terrorista. É que o Iran possui um sistema político diferente do brasileiro onde uma liderança religiosa integra o governo federal daí desdenhar dessa estrutura institucional é exatamente o que a Liga das Nações sugeriu não fosse feito visando garantir paz.

E é de extrema perturbação a diplomacia vilipendiar cultura estrangeira.

Lado outro, o Presidente Bolsonaro é um “atleta” da comunicação sempre disposto a conversar com o povo ou explicar suas atitudes o que é louvável como afeto e relevante aos anseios dos brasileiros governados por ele. No entanto, houve uma situação inusitada: o ataque do drone com baixa de liderança política o que infla os ânimos, pelo que nossa Constituição já prevendo essa possibilidade fixou cautela por parte do Estado brasileiro.

E tal cuidado é a convocação do Conselho de Defesa Nacional para opinar e a autorização do Congresso caso o Presidente resolvesse tomar lado no conflito.

Nada disso foi feito até o presente momento mesmo diante da escalada crítica.



              Rol de Testemunhas

Solicito ouvir na Comissão de Instrução: Chanceler Ernesto Araújo:

1.   Como percebe o conflito entre EUA e Irã, uma guerra entre dois países membros da ONU ou um conflito entre uma nação guardiã da moral e um grupo terrorista?

2.   Reconhece a função do General Sulaimaine como integrante da organização estatal Iraniana? Explique inclusive diferenciando a coexistência entre a administração central federal e a liderança religiosa do Aiatolá?

3.   Conversou com o Presidente sobre a elaboração da nota antes ou depois da mesma?

4.   Ponderou com o mesmo que o teor da nota extrapolava as atribuições do Itamaraty por abordar atos de guerra entre dois países?

5.   Ponderou com o mesmo sobre a necessidade de convocar o Conselho de Defesa Nacional para opinar, e solicitar autorização do Congresso caso se inclinasse por alinhamento a um dos lados?

6.   Conversou com alguma autoridade dos EUA, do Irã ou da ONU por ocasião da elaboração da nota?



Todos integrantes do Conselho de Defesa Nacional:

1.   Houve alguma consulta por parte do Presidente ou Chanceler sobre a elaboração da nota do Itamaraty

2.   Concorda com a nota?

3.   O que mais te causa temor como especialista em segurança institucional, ataques supostamente terroristas seja por ordens governamentais iranianas seja suas milícias; ou as ditas “nukes” dos EUA?

Requer, respeitosamente, emissão de ticket aéreo Rio/BSB/Rio para discorrer por 5 minutos sobre o recebimento da denúncia no dia de votação no plenário.

Por fim requer máxima urgência na tramitação da presente ação nos termos do Regimento Interno em ordem a evitar que a postura de alinhamento automático do Brasil aos EUA sem a devida consulta ao Conselho de Defesa Nacional e o pedido de voz ao Congresso não só aumente a tensão entre os contendentes, e ainda fomente ataques a América Latina comprometendo a relação comercial notadamente o custo do combustível fóssil.



Rio de Janeiro, 07 de Janeiro de 2020



Felipe dos Santos Fontes

Denunciante