Macumba

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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Processo de individuação e Niestzche


Processo de individuação e relação de forças.

“É preciso estender os dedos, completamente, nessa direção e fazer o ensaio de captar essa assombrosa finessede que o valor da vida não pode ser avaliado. Por um vivente não, porque este é parte interessada, e até mesmo objeto de litígio, e não juiz; por um morto não, por uma outra razão. Da parte de um filósofo, ver no valor da vida um problema permanece, dessa forma, até mesmo uma objeção contra ele, um ponto de interrogação diante de sua sabedoria, uma falta de sabedoria.” (Crepúsculo dos Ídolos, O Problema de Sócrates, #2).

1.    Introdução.

2.    Relação de forças.

3.    Processo de individuação.

4.    Conclusão.

 

1.    Introdução.

Relação de forças é uma perspectiva, é a pretensão de ver o mundo na qualidade de observador. Tal teoria remonta a Nietzsche e em última análise, caso assimilada em larga escala, implicaria numa refundação da sociedade, porquanto a atual tem como pilar básico agradar ao próximo, ou seja, o valor que cada um tem é creditado ao que o meio social percebe, digo familiar e profissional acredita. Já para a relação de forças tal parâmetro não serviria, sendo o processo de individuação uma alternativa para quem não quisesse se aventurar em um mundo imprevisível.

Esta teoria não é capaz de dizer o que é o mundo ou muito menos de valorar se é bom ou ruim estar nele. Uma abstração pode no máximo alcançar um esboço de como o mundo funciona. Como disse Aristóteles[1], um pedreiro sabe colar pedras, mas não vai além desta compreensão. Da mesma forma, uma definição do mundo pode, ao máximo, alcançar seu funcionamento, mas o que está por detrás não é acessível à percepção humana. Aliás, neste ponto o processo de individuação e a relação de forças se prestam ao mesmo objetivo, pois Jung não explica porque o homem é como é, somente dizendo como é, da mesma forma com a teoria de forças e Nietzsche.

Então o presente trabalho se presta a relacionar os principais focos da psicologia, individuação, e filosofia, relação de forças.

2.    Relação de forças.

Pode-se afirmar que uma das construções fundamentais da filosofia nietzscheana é a sua teoria das forças. Essa concepção tem como um dos seus papéis essenciais a própria oposição do autor à metafísica e ao monopólio da verdade pela ciência. A natureza é, então, a expressão de forças que dela se abocanharam; a história de algo é, então, a história de sua contínua tomada por forças; tais atos resultam em transformações nas maneiras em que este algo é compreendido. Mas não só aquilo que se apropria de um objeto é força, ele em si é expressão desta. Pode-se dizer, então, que estão em jogo, em relação, um sistema de forças. À relação entre estas forças Nietzsche denomina vontade. Esta é o elemento diferencial da força. Estas vontades não podem ser observadas de um ponto de vista teleológico. Nessa relação, as forças estabelecem-se entre si de maneira polarizada: desenvolve o sentido de ordenação e de obediência. Nietzsche qualifica as primeiras, superiores, de ativas; as segundas, inferiores, de reativas. A dominação de uma pela outra, no entanto, não resulta em sua dissolução: as forças reativas, quando dominadas, mantém-se regulares, adaptam-se e objetivam sua auto-conservação; as forças ativas dominam, são plásticas, com grande capacidade de metamorfose.

Tal metamorfose não é a adaptação ao ambiente darwiniana. O “mais forte sobrevive” é uma ideia que se amolda muito mais a cultura de resultados judaico/cristã que o filósofo tanto criticou como decadente. Se trata, portanto, da capacidade de se transfigurar segundo suas próprias necessidade e não o darwianismo de se transfigurar para agradar ao meio. Daí a ideia de autarquismo que, como veremos adiante, também vale à individuação.

Quanto à atitude ativa ou reativa, a primeira é pautada pelo enfrentamento ao mundo e a segundo pela tentativa de manipulá-lo. Pois, claro, quem tenta se adaptar ao meio, pelo simples fato de agradar ao próximo, está pretendendo interferir na vontade alheia, panorama que demonstra que o indivíduo não funciona para si próprio, mas sim para outrem. Lado outro, quem parte ao enfrentamento não está entregando sua vontade a ninguém além de si próprio. Obviamente, tal enfrentamento não é de um soldado perante outro numa guerra, mas sim de um homem que não conhece valores de certo ou errado, e, assim, atua indistintamente perante todos, sem previamente definir critérios para diferenciar pessoas.

Prosseguindo, o filósofo alemão considerava que esse conceito de forças carecia de um complemento, um querer interno que designou vontade de potência.  A vontade de potência existe tanto nas forças ditas dominantes como nas dominadas; mas as qualidades específicas da vontade são a afirmação e a negação, que se conjugam de maneira íntima e respectiva com a atividade e a reatividade das forças. Importante ressaltar como a força reativa, mesmo quando obedece a uma força ativa, impõe-lhe limitações e restrições.

Em suma, em nosso mundo tudo que existe interage, sendo que o homem tem uma força, querer interno ou vontade, que define quem ele é no mundo. Então, a identidade de alguém implica em duas coisas: primeiro, a compreensão do ambiente é limitada à percepção (aí somados o consciente com o inconsciente). Segundo, as demais forças agem concomitantemente a força do observador, subtraindo dele a capacidade de perceber a realidade; por exemplo, o fato de alguém ter um trabalho ou namorado é somente um sinal de algo. Mas esse algo não é compreensível, alcançável ao discernimento humano.

 

3.    Processo de individuação.

O processo de individuação é ponto central dos estudos de Jung, notadamente por ser uma estratégia do homem a obter sucesso em vida. Tal “sucesso” carrega forte conteúdo existencial, no sentido de ter como finalidade uma vida de realizações, ou seja, o processo de individuação visa armar o homem de todas as ferramentas que lhe garantam concretizar suas vontades. Ou, tornar o homem tão autossuficiente que sua vontade possa ser de plano realizada sem depender de nada, sequer de outra vontade.

Quanto as fases são: 1. O desvestimento das falsas roupagens da persona. 2. O contato com a sombra. 3. Confrontação com a anima ou o animus. 4. A revelação do self ao ego.

Creio que as fases podem ser vistas sob caráter didático, ilustrativo, mas a primeira delas, o desvestimento da persona, se totalmente ultrapassada já seria suficiente a se alcançar êxito do processo todo, desde que se considere a persona como todas as referências sociais do homem, tais como trabalho(ou instituição religiosa ou de qualquer outra ordem), família, sexo.

O processo de individuação em última análise se prestará a garantir autarquia ao homem. Não a autarquia aristotélica que se atinha às questões políticas, do tipo, o sábio não deve ser governado mas sim governar[2]. A autarquia que interessa ao processo de individuação é do homem que compreende que toda a sua força vém de dentro de si, e a partir disto se encaixa na realidade da forma mais “agradável” possível. Pois bem, esse “agradável” não é o melhor ou mais bonito. Pelo contrário, o ser evoluído não tem insegurança e por isto não precisa ser melhor do que ninguém, não há comparação relevante. O “agradável” aqui é o pleno. É a adequação absoluta ao momento; vendo-se sobre o prisma orgânico é o correto funcionamento das funções vitais; e vendo-se sobre um prisma coletivo é a bela integração entre homem e tudo que o integra ao ambiente, inclusive às demais pessoas, animais, coisas.

 

4.    Conclusão.

O simbolismo do processo de individuação exprime uma técnica demonstrativa do ideal de vida nietzscheana, porquanto expõe a força ativa como desejável, visável, como fim em si mesma.

Por certo, auto conservação, tão rejeitada por Nietzsche é só uma palavra que enuncia um conceito. Mas o que é tão ruim assim que ela simboliza? É a não entrega ao mundo; é o desejo de proteção, de interferir no que está fora; é tudo que se afasta da autoconfiança.

Quiça, sob o ponto de vista da psique, o desejo de proteção esteja relacionado a uma não superação da vida intrauterina, do desejo de ser acolhido por alguém. Mas, então, o que seria esse desejo de acolhimento? Os rituais de passagem visam mexer nele, mas não para libertar o homem, e sim transferi-lo a outro acolhimento, ainda que não materializado numa figura feminina.

Haveria a possibilidade de sair de um acolhimento e não entrar em outro? Provavelmente sim, seria a entrega total ao self, pois haveria o reconhecimento de que tudo tem uma função e como tal é de uma beleza única! Teríamos o sentimento de arte não como uma entrega a algum acolhimento social, mas sim a entrega à sociedade como um todo. Seria o homem reconhecendo a si próprio como potência criadora.

Panoramicamente, o querer interno equivale ao subjetivismo, mas eles só se manifestam porque há vontade. Então, o que o filósofo e psicólogo unissonamente pregam é que o homem empenhe todas as suas forças no sentido de compreender quais são suas vontades/libido, para, então, dominando-a ser capaz de abandoná-la. Atitude inversa é não ser capaz de encarar a própria vontade e a partir daí pretender aniquilá-la ou escondê-la.

Enfim, trata-se da entrega ao mundo que Nietzsche prodigamente defendeu! Pois, em última análise, o que acontece no mundo é reflexo da própria vontade. Viver é Jogar...

Bibliografia:

GOUVEA, Alvaro, aulas do curso de psicologia junguiana, 2012.1.

NIESTZCHE, Friedrich, Genealogia da Moral, Companhia de Bolso.

NIESTZCHE, Friedrich, Vontade de Potência, Editora Vozes.

JUNG, Carl Gustav, O Livro Vermelho, Editora Vozes.

VASCONCELOS, Ana, Manual Compacto de Filosofia, Editora Rideel.



[1] Metafísica, página 5.
[2] Metafísica, página 9.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Determinismo


Determinismo Estóico.



1. Introdução com objetivo da exposição.

2. Acepção de determinismo dos estóicos até a física de Einstein.

3.  Determinismo X Subjetivismo.

4. Conclusão com opinião do aluno.



1. Introdução com objetivo da exposição.

O presente trabalho se destina a abordar um dos pontos mais estudados dos estóicos, seja pela sua importância para a cultura ou ciências modernas, seja porque tal tema é tido como o ponto mais polêmico na leitura desta escola, porquanto mesmo sendo deterministas eles se ocuparam de doutrinas éticas atentando às possibilidades de decisões melhores ou piores com potencial para consequencias com os mesmo extremos.

Também há de se registrar que houve divergência dentro da escola no que tange ao absolutismo do determinismo ou não, ou seja, se haveria algo que o homem, como entidade dotada de autonomia perante o mundo, poderia fazer que alterasse o que já estava escrito para acontecer antes do nascimento para toda a vida.

Então, o presente trabalho se destina a tentar harmonizar essas aparentes contradições.



2. Acepção de determinismo dos estóicos até a física de Einstein.



Entender que o determinismo permeia a vida é acreditar que o tempo é um limite meramente psicológico do futuro, ou seja, tudo que ainda acontecerá já é previsível desde o antes do agora. Outra forma de conceituá-lo é excluindo a possibilidade de mudança de destino. Também é comum definí-lo em oposição ao livre arbítrio porquanto se todos os acontecimentos já estão encadeados segundo uma força incompreensível/misteriosa então vedada está a possibilidade do indivíduo tomar decisões próprias. Esta última definição é comum, mas há um pequeno esclarecimento a ser feito, pois mesmo adotando o determinismo é possível que haja o livre arbítrio, ou seja, entendido como vontade individual de mudança; mas nesse caso todas as escolhas da vida de uma pessoa já teriam sido por ela tomadas antes do início, quiça nascimento, concepção ou até a separação do espematozóide dentro do corpo do pai. Então o transcurso da vida ou cada momento seria uma forma ou oportunidade de compreender as escolhas que já foram feitas.

Chegando a tempos mais recentes, um renomado gênio também se ateve a estudar o determinismo. Einstein defendeu que o tempo era um limite de compreensão humana, ou em outras palavras, o futuro já está escrito, pois o tempo é relativo a percepção humana, mais extenso se fosse esticado. A partir desta ideia dedicou sua vida a decifrar a equação do todo, aquela que explicaria como o mundo é. Mas ele morreu sem sucesso em tal empreitada. Vale a seguinte citação:

“Ele via a mecânica quântica de hoje como um estágio intermediário entre a física clássica tradicional e uma “física do futuro” ainda completamente desconhecida, baseada na teoria da relatividade geral, na qual os conceitos de realidade física e determinismo voltariam à tona.”. [1]



3.  Determinismo X Subjetivismo.



O determinismo em nossa sociedade contemporânea é comumente associado ao oposto do conceito católico de livre arbítrio. Tal ideia significa que as pessoas fazem suas próprias escolhas, sendo que o catolicismo ou em geral as religiões monoteístas explicam que deus deu este poder a cada humano para que seja por ele exercido da melhor forma possível. Mas, abstraindo a função religiosa de delegação divina temos que a compreensão do livre arbítrio está vinculada a acepção do subjetivismo, ou seja, que o homem é capaz de impor sua vontade perante o mundo, cosmos ou sociedade.

Vejamos, o determinismo é a ordem dos acontecimentos dentro de toda uma vida, a maneira como a eternidade se apresentaria ao momento. Daí resta a primeira dúvida: a vida é sempre a mesma, mas pode ser alterada e a partir daí fica tudo diferente, ou cada evento é independente em relação ao evento anterior?

No primeiro caso, teríamos, quiça, uma espécie de eterno retorno, ou em outras palavras, viveríamos em ciclos previsíveis de acontecimentos que nada mais são a forma com que a nossa vontade se expressa. Então mantida a vontade o ciclo permanece fechado, ou seja, a vida da pessoa significa um filme cuja a explicação pode ser de plano dada, algo como: tudo que aconteceu em sua vida foi porque ele, no fundo de sua alma, em seu desejo mais íntimo, queria tal coisa ou esperava tal coisa da vida.

Mas, admitida a hipótese de mudar a sua vontade, o homem sairia do anel de acontecimentos e entraria em outro? Em outras palavras, haveria determinismo ou previsibilidade até que o homem fosse capaz de alcançar certo grau de compreensão da sua vontade. Neste momento ele teria o poder de transmudar sua a realidade para outra. Daí surge uma dúvida: a novel realidade também seria determinista? sim, mas tal determinismo só se definirá no momento de entrada no novo anel, da maneira que para quem estiver no novel anel não entrará no campo de ação do anel anterior e vice-versa, sendo, portanto, uma singularidade o novo ambiente. Mas será uma singularidade em relação ao mundo anterior, mas não em relação a seu próprio mundo, onde também haverá previsibilidade intrínseca. Aliás, em termos avançados de compreensão do determinismo, a realidade passa a ser um servidor do dono da vontade. É curioso como existe um desejo natural do homem que sua imagem seja respeitada por todos, pois para quem avança muito na compreensão de si próprio tal desejo é suplantado por um ímpeto de compatibilidade com os acontecimentos. É como o louco que superou sua loucura, pois como sua vontade é livre em relação a vontade do meio social quando ele pretende conformar a realidade ele não esbarra no susto social, pois o meio não alcança uma resposta a ele com uma velocidade apta a opor contenção.

Na segunda hipótese, os eventos seriam independentes entre si de maneira que cada acontecimento seria singular em relação ao anterior. Tal hipótese pode ser descartada, pois o modo de pensar humano é pautado pelos instintos e também experiência. No primeiro caso são manifestações imanentes a condição do homem de integrante da natureza. Já no segundo caso trata-se do conhecimento de causas e resultados que são apreendidos desde o nascimento. Em ambas as situações o cérebro humano não se desvencilha do passado, portanto, hipótese que desconsidere o passado como orientador do futuro pode ser de plano desconsiderada por atentar contra a percepção humana.

Somente a título de argumentação, caso se queira dar significado a algo transcendental fico com a seguinte afirmação de Tagore oposta a Einstein em um debate: “Se existir alguma verdade completamente independente da humanidade, então para nós ela é completamente não-existente.”.[2]

Einstein discordou pois para ele o cérebro humano é impotente perante a natureza, ideia que expõe toda a sua crença determinista, não deixando espaço para livre arbítrio, subjetivismo.

Ouso discordar do gênio. A meu ver tal crença é muito ligada as ideias de algumas crenças culturais/religiosas, pois sofrem do entendimento de que a finalidade das ações é a base das atitudes humanas, visão que não sobrevive se considerado que o homem é a medida de suas atos. Em outras palavras, ainda que o mundo esteja em constante movimento, me parece que de nada adianta ter sempre um objetivo, ou fim em mente, pelo contrário a busca deve ser a adequação ao movimento, com menos atenção em resultados.

Em suma, esse tema vai e volta várias vezes, para sempre desaguar na principal questão: Não importa se o homem acredita em determinismo, subjetivismo ou se preocupa com ética, pois o fato é que o mundo é movimento e ante essa condição o homem deve dar uma resposta. E tirado o véu das questões superficiais, a resposta será sempre a mesma, independentemente da crença: a luta pela sobrevivência.

Os Estóicos, possivelmente, foram os únicos filósofos antigos que esboçaram a hipótese de uma energia interna capaz, por si só, de transmudar o que acontece. E alcançaram esse debate enquanto aprofundavam seus estudos sobre o determinismo, pelo que não é possível dizer se o que eles entendiam por individualidade é a mesma ideia que a psicologia. No entanto, creio posso afirmar que se a ideia for a mesma a diferenciação reside que a psicologia analítica ou junguiana segue a linha de que toda a realidade tem como motor primário a mente do observador. Neste aspecto, Jung e Nietzsche foram uníssonos em tratar a vontade como causa dos acontecimentos. Pelo outro lado, o motor primário dos estóicos não se localizaria totalmente na mente do observador. Acredito que se apresentamos os estudos de Jung aos estóicos e os instássemos a se manifestar sobre a individualidade do homem indagando-lhes se parte do motor primário estaria na mente do observador para justificar a tal da individualidade ante o determinismo; a resposta seria que não, pois o motor primário é Deus e a individualidade nada mais significaria que o poder do observador de influenciar o motor primário.

3. Conclusão com opinião do aluno.



O determinismo é uma realidade. Se esse mundo teve um início já interagia com seu fim. Mas a questão que fica é porque não é incomum as pessoas que creem no determinismo apresentarem uma individualidade imponente perante o mundo? Essa não passa de uma aparente contradição, pois entre o desenrolar dos eventos existem choques entre as pessoas e esses contatos imprimem as individualidades. Então, o estudo da ética é compatível com o determinismo, pois ainda que o futuro já esteja escrito o presente não se apaga e como vivemos nele devemos enfrentar a realidade tal como ela é.

A isto acresça a possibilidade de diakomesis, sistema finito que deus periodicamente gera e destrói por atividade imanente,[3].

Penso que o diakomesis pode ser a troca de vontade, conforme antes descrito, aquela em que o determinismo/previsibilidade dentro do sistema é trocado por outro. Somente divirjo do estoicismo quando se refere a deus como algo indeterminado, pois quem muda seu sistema é o próprio homem. Desta maneira, quanto mais evoluído no caminho da transcendência o homem for menos interferência no sistema ele causará, pois se o sistema não se adequar naturalmente a ele, ele trocará o brinquedo.

Pelo visto, a única constante do mundo é a vontade do homem de conformar a realidade a si próprio. Se assim for, a única ética que se pode ter é de apagar as dependências do passado, de maneira que a conformação se dê no caminho da autoafirmação. As principais técnicas para isto são se associar aos seus afetos sem intermediários, pois terceiros apoiam a cegueira da realidade, enquanto ofuscam a alteridade; e não ter medo de rejeição, pois rejeitar é um direito do próximo; sendo que pela mão inversa não ter medo de rejeitar quem não for seu afeto.



Bibliografia:



NIESTZCHE, Friedrich, Genealogia da Moral, Companhia de Bolso.

NIESTZCHE, Friedrich, Vontade de Potência, Editora Vozes.

EINSTEIN, os 100 anos da Teoria da Relatividade, Editora Campus.

JUNG, Carl Gustav, O Livro Vermelho, Editora Vozes.

VASCONCELOS, Ana, Manual Compacto de Filosofia, Editora Rideel.

SÊNECA, Sobre a brevidade da viva, L&PM Pocket.

OS ESTOICOS, editora Odysseus, organizador Brad Inwood.

LAERTIOS, Diôgenes, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, Editora UNB.





[1] Einstein, página 95.
[2] Einstein, página 100.
[3] Os Estóicos, página 411.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Cálicles X Socrates.

A psique no diálogo Górgias.
1. Introdução com objetivo da exposição.
2. Intercomunicação sistêmica na Grécia antiga.
3. Heráclito.
4. Cálicles X Sócrates.
5. Conclusão com opinião do aluno.


1. Introdução com objetivo da exposição.
Academicamente há contundente discussão sobre que limites a filosofia grega impôs como legado e se esta herança já teria sido ultrapassada por novos filósofos ou outras áreas de conhecimento.
Um dos símbolos mais marcantes deste ponto foi Hegel. Ele ficou bastante conhecido tanto pela sua dialética por também se auto intitular o marco final da filosofia iniciada na Grécia antiga.
Entretanto, o presente trabalho tomará como premissa conceitos de Nietzsche sobre a autoafirmação do ser e que hoje são tratados como área dentro da psicologia.
2. Intercomunicação sistêmica na Grécia antiga
A Grécia antiga consubstanciou um peculiar momento de plena integração entre as pessoas, o que fica claro pelos seguintes relatos históricos:
 Julgamentos em que os juízes eram retirados da própria sociedade e em grande número.
 O povo grego cultuava seus deuses através de contos urbanos, não havendo uma pessoa ou instituição que impusesse isto.
 Coerência entre o estilo de vida do grego e o que eles acreditavam.
Pelo outro lado, calcados na plena integração do povo entre si suas insatisfações eram projetadas ante quem não fosse conterrâneo, donde as guerras com as cidades próximas eram a exteriorização deste sentimento.
3. Heráclito
Talvez Heráclito tenha sido o filósofo grego que mais se aproximou da capacidade de identificar a própria psique, valendo citar o seguinte fragmento:
“Só uma coisa é sábia: conhecer o pensamento que governa tudo através de tudo”
A unicidade foi levantada por alguns filósofos gregos, conforme citado por Aristóteles na publicação metafísica.
Ainda que concebê-la não indique o reconhecimento da psique, denota compreensão sobre uma dialética mais abrangente a qual há de considerar o próprio ser como parte do todo.
Mas Heráclito há que se destacar por não ter provocado embates “inquisitoriais” como Sócrates ou Protágoras causaram, culminando com acusações que lhes foram feitas.
Heráclito preferiu se afastar do estilo de vida que não concordava ao invés de criticá-lo. Esta é uma postura que indica certa independência do meio social o que expõe uma psique mais identificada pelo seu dono.
Portanto, Heráclito teria sido o filósofo mais visionário de sua época ! Mas, pelo outro lado, morrer como um insano não denota força interior trabalhada.
Neste ponto, as circunstâncias da morte, Sócrates teria tido uma atitude lúcida até o final, conforme o diálogo Fédon.
4. Cálicles X Sócrates.
O diálogo Górgias na parte da conversa entre Cálicles e Sócrates mostrou um raro momento de libertação do grego da forte imanência a sua cidade, valendo a seguinte leitura:
“Cálicles — Já o disse: os que entendem dos negócios públicos e são corajosos. A esses é que compete governar as cidades, mandando a justiça que tenham mais do que os outros, os governantes mais do que os governados.
Sócrates — E com relação a eles próprios, amigo: são governantes ou governados?
Cálicles — Que queres dizer com isso?
Sócrates — Digo que cada um deve comandar a si mesmo. Ou não haverá necessidade de ninguém comandar-se a si mesmo, mas apenas aos outros?
Cálicles — Que entendes por comandar a si mesmo?”
Como se vê, este é um raro trecho revelador de um raciocínio embrionário que justifique a crença de separação entre o ser e o ambiente que vive. Ou mais precisamente dizendo, uma crença que reconheça a possibilidade que mudanças internas são aptas a causar reflexos no meio.
É que os gregos não acreditavam em uma força interior que haveria de ser resolvida por si só. Para eles todas as batalhas teriam de ser travadas na sociedade.
Este embate esbarrou nos limites da imanência e chegaram a “chutar as paredes” de seus contornos como quem quer enxergar mais adiante. No entanto, nem o filósofo Sócrates ou seu alter ego sofista Cálicles demonstraram compreensão da existência de uma própria força interior (psique).
É o que transparece da resposta do filósofo:
“Sócrates — Não se trata de nada abstruso; a esse respeito penso como todo o mundo: ser temperante e dono de si mesmo, e dominar em si próprio os prazeres e os apetites.
Cálicles — Como és engraçadinho! Aos simplórios é que dás o nome de temperantes?
Sócrates — Como assim? Não há quem não perceba que não foi isso que eu disse.”
“Ser dono de si mesmo” é uma frase que poderia remeter ao homem que se autoafirma em sua existência, segundos conceitos de Nietzsche. Mas não foi isto que Sócrates quis dizer. Seu raciocínio não caminha no sentido do desenvolvimento da psique, ou seja, de desabrochar o inconsciente.
Sócrates defendeu que autocontrole é manter o hedonismo domado, ou seja, não alcançou o desabrochar da psique.
Por sua vez segue transcrição da passagem mais bela que se tem registro dos textos antigos:
Cálicles — Foi isso, precisamente, Sócrates. Pois como poderá ser feliz quem for escravo do que quer que seja? O belo e justo por natureza, digo-o sem o menor constrangimento, é que quem quiser viver de verdade, longe de reprimir os apetites, terá de permitir que se expandam quanto possível, e quando se encontrarem no auge, ser capaz de alimentá-los com denodo e inteligência e de satisfazer a todos eles à medida que se forem manifestando. Mas isso, justamente, segundo penso, é que não é para toda a gente; eis porque a maioria dos homens censura as pessoas capazes de assim viver, por se envergonharem da própria debilidade, que procuram esconder, e qualificam de feia a intemperança, para escravizarem, conforme disse há pouco, as pessoas bem-dotadas por natureza. Sendo incapazes de satisfazerem suficientemente suas paixões, elogiam a temperança e a justiça com base em sua própria pusilanimidade. Pois para os que nasceram filhos de reis, ou que por natureza sejam capazes de conquistar algum império ou o poder e qualquer domínio: haverá nada mais vergonhoso e prejudicial do que a temperança para semelhantes indivíduos? Tendo a possibilidade de gozar de todos os bens, sem que ninguém se lhes atravesse no caminho, iriam impor a si mesmos um déspota, a saber, a lei da maioria, e o falatório dos outros, e as censuras? Quão infelizes não se tornariam, pelo fato mesmo da beleza da justiça e da temperança, se não pudessem dar mais aos amigos do que aos inimigos, e isso apesar de serem donos de suas próprias cidades? O certo, Sócrates, é que a verdade que tu presumes procurar é simplesmente isto: o luxo, a intemperança e a liberdade, quando devidamente amparados, é que constituem ao certo a virtude e a felicidade. Tudo o mais, todos esses enfeites e convenções contrárias à natureza, não passam de palavrório sem valor.”.


Infelizmente, a contestação que se seguiu de Sócrates foi evasiva.
Ao que pareceu deste discurso é que o alter ego foi além da “locomotiva”.
A primeira parte do parágrafo é a exata premissa de quem quer desenvolver a psique: “que quem quiser viver ao máximo, longe de reprimir os apetites, terá de permitir que se expandam quanto possível, e quando se encontrarem no auge, ser capaz de alimentá-los com denodo e inteligência e de satisfazer a todos eles à medida que se forem manifestando.”.
Esse é o caminho para a autoafirmação através de potencializar a força interior.
Mas, é uma pena que não foi isto que Cálicles quis dizer. Sua premissa é certeira, mas sua conclusão gira em torno da manipulação do ambiente em seu favor. Ou seja, Cálicles pretende ser livre relativamente ao ambiente que vive.
Enfim, ele quer dominar a sociedade segundo sua conveniência. Não pretende desabrochar sua força interior para que através do conhecimento dela expandir sua sensibilidade em favor de sua liberdade.
Aqui está clara a diferença entre a filosofia antiga e a contemporânea:
A liberdade ao grego é relativa, ou seja, não ser dominado por outros homens, e se for o caso impor a sua força quando necessário ou prazeroso.
Já a liberdade na filosofia após o esboço da ética de Spinoza com a conclusão de Niesztche sobre a moral é outra: desabrochar a psique para através de seu autocontrole/sensibilidade se alcançar a absoluta liberdade/felicidade.
Como se vê, o grego era cego além dos limites da imanência.
Fazendo uma comparação do grego antigo com o homem moderno, é viável se dizer que o autoconhecimento de um grego perante a realidade não passaria de um feto perante a sua mãe, ou seja, totalmente imanente ao ambiente e com todos os sinais da autêntica liberdade indiretos e imprecisos.
Por fim, acerca do estágio ideal apontado por Cálicles: Virtude e felicidade, baseados no hedonismo, luxo e liberdade; são expressões de uma busca que em última análise não passam de valores efêmeros, conforme foi descrito por Sócrates em longas falas no diálogo sob análise.
Sentimentos de integração ou prazer, ainda que admitidos como objeto da vida não passam de consequências cujas causas não são passíveis de debates ante seu caráter pessoal, ou seja, diferente a cada indivíduo.
Mesmo que se admitisse uma vida hedonista, cercada de amor, como modelo, os caminhos para se atingi-la seriam diferentes para cada ser, razão pela qual qualquer tentativa de defini-la não se insere no campo do debate das ideias, por serem questões resolvidas no caso concreto e em caráter individual, não valendo para uma pessoa a causa que causou prazer a outrem.
Talvez, a sensação mais próxima de hedonismo coletivo seria o uso de drogas, mas, como se sabe, mesmo quando se usa drogas que causam sensação de prazer há de se ter temperança, para não se acabar em uma clínica e ser privado delas.
Em suma, temperança e hedonismo são duas faces da mesma moeda, como a vontade de comer e a necessidade de parar e refletir até que ponto a sensação causada é agradável.
Passando desde ponto avancemos até o conceito de política, também tratado neste diálogo:
“Sócrates — Creio ser um dos poucos atenienses, para não dizer o único, que se dedica à verdadeira arte política, e que ninguém mais, senão eu, presentemente a pratica. Visto nunca entabular conversação com qualquer pessoa com o intuito de adquirir-lhe as boas graças e só ter em mira o que é mais útil, não o mais agradável...”.


Este conceito não é o da política moderna, hoje intrinsicamente ligada a arte da convivência, ou seja, conciliar os interesses pacificamente.
Sócrates expôs conceito que se insere no âmbito da filosofia, pois questionar o cotidiano é matéria afeta ao filósofo. É ele que se ocupa de questionar os acontecimentos independentemente das consequências que daí advenham.
Não é a toa que os limites do filósofo são dados pelo seu alter ego, conforme lecionou Barbara Cassin. É que por mais inteligente que alguém seja, para se dirigir ao próximo há a necessidade de comunicação.
E, para haver comunicação há a necessidade dos dialogantes estejam aptos a compreender o objeto da discussão.
5. Conclusão com opinião do aluno.
Penso que este mundo é uma espécie de teste cujo sucesso gira em torno de se destacar a psique da realidade, ou seja, reconhecer que o acontecimento é reflexo da cultura da sociedade.
Ser um notável filósofo como Niestzche não significa que as idéias que se defendam são as incorporadas internamente. Ele pode ter tido várias interpretações consistentes da realidade, mas se limitou a comunicá-las aos seus semelhantes ao invés de absorvê-las internamente as contrapondo com as raízes do inconsciente.
Como se vê, existe uma vala que separa a verdadeira dialética deste mundo:
Em um lado temos o inconsciente que é a verdadeira psique, ou força interior, do ser. Trata-se da soma de crenças que a pessoa carrega desde sua formação cerebral, aproximadamente sexto mês de gravidez segundo alguns estudos de ressonância que reconhecem atividade elétrica.
A psique é totalmente desconhecida a seu dono, e é totalmente identificada com a energia sexual. Esta se exterioriza através da vontade de se sentir vivo, a vontade de interagir com o mundo de forma sincronizada.
De outro lado temos os fenômenos, os quais são tudo o que acontece racionalmente, ou seja, as escolhas entre ficar onde se está ou se mover.
Claro é que todas as escolhas neste mundo sempre são tomadas ao estilo binário, ou seja, continuar ou sair.
Didaticamente temos:
Para a psique o código binário é: Ou lutar pela vida, pela sincronismo; ou lutar pela morte, pelo status social.
Quanto aos fenômenos, ou seja a razão dentro do ambiente externo, o código binário é: continuar no circulo de conectividade relativa (com as outras pessoas); ou sair dele.
Por exemplo: sair de um emprego. Interessante ressaltar que para efeito racional nunca se está entrando em nada.
Vejamos, quando se está desempregado, e, ainda assim, nega-se a ingressar em uma oportunidade a opção não foi em não entrar no emprego, mas sim de continuar desempregado.
Isto ocorre porque como a psique é formada com todos os seus “encantos” antes da gravidez, então, os fenômenos que vão acontecendo são reflexos do desabrochar do que está latente/escondido no inconsciente.
Em suma, se o ser não tem interesse em “entrar” num novo ambiente é porque sua psique não tinha nada a desabrochar lá.
Mas aí temos um paradoxo, se todos estão conectados a sociedade por que os seres mais evoluídos são mais independentes da vontade cultural?
O paradoxo está claro: se a realidade deriva da psique então como alguns projetam a realidade mais no ambiente externo do que outros.
Por certo, quanto menos o ser projeta sua psique nos reflexos externos menos dependente da vontade alheia também é.
A única conclusão que chego ante este emblema é que este mundo é uma mera plataforma de um sistema maior.
E, nesta plataforma o que mantém as pessoas conectadas são os compartilhamentos das mesmas obscuridades da mente.
Talvez este mundo seja um desafio para quem está nele e a vitória não resida com quem for mais forte sob o aspecto comparativo/competitivo, mas para quem seja capaz de se impor perante o próprio sistema, limitado pelo tempo/espaço.
Nesse ponto julgamentos como o de Sócrates são lembrados, pois ele se impôs não perante um indivíduo, mas perante o modo de crenças de sua época.
Ocorre que se impor perante um modo de crenças nada mais é do que ser um lutador não contra outro, mas sim um lutador contra toda a coletividade. Neste ponto fica clara a relevância de um povo tão sintonizado entre si a ponto de se integrar/levantar um questionador com a inteligência de Sócrates.
Mas Sócrates não tinha a psique evoluída internamente, ele só foi a expressão de liberdade perante uma coletividade de um determinado tempo/espaço.
A psique plenamente evoluída não faria parte deste mundo, assim como uma pessoa que não gosta de doce ignora um belo quindim.
Portanto, quanto mais evoluído se é mais trabalhada deve ser a capacidade de enxergar o próximo como entidade independente e como tal livre para sua próprias opiniões.
Enfim, analisando estas premissas só há como se chegar a duas conclusões:
1. A evolução neste mundo há de caminhar independentemente de reconhecimento de outras pessoas.
2. O relacionamento entre as pessoas sempre se resolverá em política ou luta/guerra. Política significa respeitar o próximo considerando as limitações individuais. Sob este aspecto a política seria a síntese da dialética entre a filosofia e o sofismo. É a junção da verdade com o respeito. Verdade porque quanto mais transparente se for melhor será à política. E respeito porque ser transparente não implica em mostrar o caminho para quem quer ficar estagnado.
Ser transparente é estar pleno no momento. Não é chegar a um almoço e dizer que gosta ou antipatiza com alguém só porque se pensa assim. É fazer parte do almoço e conversar com quem gosta e não puxar conversa com quem não gosta. Esta é a verdadeira política, ou a ética mediando as relações sociais.
Infelizmente a política sempre adotou o provérbio: “mantenha seus amigos pertos e seus inimigos mais perto ainda”.
Como se vê esta é uma frase platônica, porquanto projeta a psique no ambiente externo e daí a necessidade de se proteger das ameaças e se apropriar do que há de bom.
Nietzsche denominaria esta atitude de utilitária, própria da força fraca.
Política é acreditar que o próximo é capaz de alcançar seus objetivos, sejam eles quais forem.


Bibliografia:
Versão eletrônica do diálogo platônico “Górgias”
Tradução: Carlos Alberto Nunes
Créditos da digitalização: Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia)
Homepage do grupo: http://br.egroups.com/group/acropolis/.
CASSIN, Barbara. Ensaios sofísticos.
HEIDEGGER, Martin. Hegel e os Gregos.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Heráclito de Éfeso.
Metafísica de Aristóteles, tradução Marcelo Perine.
NIESTZCHE, Friedrich, Genealogia da Moral, Companhia de Bolso