Processo de individuação e relação de
forças.
“É
preciso estender os dedos, completamente, nessa direção e fazer o ensaio de
captar essa assombrosa finesse
– de que o valor da vida não
pode ser avaliado. Por um vivente não, porque este é parte
interessada, e até mesmo objeto de litígio, e não juiz; por um morto não, por
uma outra razão. Da parte de um filósofo, ver no valor da vida um problema
permanece, dessa forma, até mesmo uma objeção contra ele, um ponto de
interrogação diante de sua sabedoria, uma falta de sabedoria.” (Crepúsculo dos
Ídolos, O Problema de Sócrates, #2).
1. Introdução.
2. Relação de forças.
3. Processo de individuação.
4. Conclusão.
1. Introdução.
Relação
de forças é uma perspectiva, é a pretensão de ver o mundo na qualidade de
observador. Tal teoria remonta a
Nietzsche e em última análise, caso assimilada em larga escala, implicaria numa
refundação da sociedade, porquanto a atual tem como pilar básico agradar ao
próximo, ou seja, o valor que cada um tem é creditado ao que o meio social
percebe, digo familiar e profissional acredita. Já para a relação de forças tal
parâmetro não serviria, sendo o processo de individuação uma alternativa para
quem não quisesse se aventurar em um mundo imprevisível.
Esta
teoria não é capaz de dizer o que é o mundo ou muito menos de valorar se é bom
ou ruim estar nele. Uma abstração pode no máximo alcançar um esboço de como o
mundo funciona. Como disse Aristóteles[1],
um pedreiro sabe colar pedras, mas não vai além desta compreensão. Da mesma
forma, uma definição do mundo pode, ao máximo, alcançar seu funcionamento, mas
o que está por detrás não é acessível à
percepção humana. Aliás, neste ponto o processo de individuação e a relação
de forças se prestam ao mesmo objetivo, pois Jung não explica porque o homem é
como é, somente dizendo como é, da mesma forma com a teoria de forças e
Nietzsche.
Então
o presente trabalho se presta a relacionar os principais focos da psicologia,
individuação, e filosofia, relação de forças.
2. Relação de forças.
Pode-se afirmar que uma das
construções fundamentais da filosofia nietzscheana é a sua teoria das forças.
Essa concepção tem como um dos seus papéis essenciais a própria oposição do autor
à metafísica e ao monopólio da
verdade pela ciência. A natureza é, então, a expressão de forças que dela se
abocanharam; a história de algo é, então, a história de sua contínua tomada por
forças; tais atos resultam em transformações nas maneiras em que este algo é
compreendido. Mas não só aquilo que se apropria de um objeto é força, ele em si
é expressão desta. Pode-se dizer, então, que estão em jogo, em relação, um
sistema de forças. À relação entre estas forças Nietzsche denomina vontade.
Esta é o elemento diferencial da força. Estas vontades não podem ser observadas de um ponto de vista teleológico. Nessa relação, as forças estabelecem-se entre si de
maneira polarizada: desenvolve o sentido de ordenação e de obediência. Nietzsche
qualifica as primeiras, superiores, de ativas;
as segundas, inferiores, de reativas.
A dominação de uma pela outra, no entanto, não resulta em sua dissolução: as
forças reativas, quando dominadas, mantém-se regulares, adaptam-se e objetivam
sua auto-conservação; as forças
ativas dominam, são plásticas, com grande capacidade de metamorfose.
Tal metamorfose não é a adaptação ao
ambiente darwiniana. O “mais forte sobrevive” é uma ideia que se amolda muito
mais a cultura de resultados judaico/cristã que o filósofo tanto criticou como decadente. Se trata, portanto, da
capacidade de se transfigurar segundo suas próprias necessidade e não o
darwianismo de se transfigurar para agradar ao meio. Daí a ideia de autarquismo
que, como veremos adiante, também vale à individuação.
Quanto à atitude ativa ou reativa, a
primeira é pautada pelo enfrentamento ao mundo e a segundo pela tentativa de
manipulá-lo. Pois, claro, quem tenta se adaptar ao meio, pelo simples fato de
agradar ao próximo, está pretendendo interferir na vontade alheia, panorama que
demonstra que o indivíduo não funciona para si próprio, mas sim para outrem.
Lado outro, quem parte ao enfrentamento não está entregando sua vontade a
ninguém além de si próprio. Obviamente, tal enfrentamento não é de um soldado
perante outro numa guerra, mas sim de um homem que não conhece valores de certo
ou errado, e, assim, atua indistintamente perante todos, sem previamente definir critérios para
diferenciar pessoas.
Prosseguindo, o filósofo alemão
considerava que esse conceito de forças carecia de um complemento, um querer interno que designou vontade de
potência. A vontade de potência existe tanto nas forças ditas dominantes como
nas dominadas; mas as qualidades específicas da vontade são a afirmação e a
negação, que se conjugam de maneira íntima e respectiva com a atividade e a
reatividade das forças. Importante ressaltar como a força reativa, mesmo quando
obedece a uma força ativa, impõe-lhe limitações e restrições.
Em suma, em nosso mundo tudo que
existe interage, sendo que o homem tem uma força, querer interno ou vontade,
que define quem ele é no mundo. Então, a identidade de alguém implica em duas
coisas: primeiro, a compreensão do ambiente é limitada à percepção (aí somados
o consciente com o inconsciente). Segundo, as demais forças agem
concomitantemente a força do observador, subtraindo dele a capacidade de
perceber a realidade; por exemplo, o fato de alguém ter um trabalho ou namorado
é somente um sinal de algo. Mas esse algo não é compreensível, alcançável ao
discernimento humano.
3. Processo de individuação.
O processo de individuação é ponto
central dos estudos de Jung, notadamente por ser uma estratégia do homem a
obter sucesso em vida. Tal “sucesso” carrega forte conteúdo existencial, no
sentido de ter como finalidade uma vida de realizações, ou seja, o processo de
individuação visa armar o homem de todas as ferramentas que lhe garantam
concretizar suas vontades. Ou,
tornar o homem tão autossuficiente que sua vontade possa ser de plano realizada
sem depender de nada, sequer de outra vontade.
Quanto as fases são: 1. O
desvestimento das falsas roupagens da persona. 2. O contato com a sombra. 3.
Confrontação com a anima ou o animus. 4. A revelação do self ao ego.
Creio que as fases podem ser vistas
sob caráter didático, ilustrativo, mas a primeira delas, o desvestimento da persona, se totalmente ultrapassada já seria
suficiente a se alcançar êxito do processo todo, desde que se considere a
persona como todas as referências sociais do homem, tais como trabalho(ou
instituição religiosa ou de qualquer outra ordem), família, sexo.
O processo de individuação em última
análise se prestará a garantir autarquia
ao homem. Não a autarquia aristotélica que se atinha às questões políticas, do
tipo, o sábio não deve ser governado mas sim governar[2].
A autarquia que interessa ao processo de individuação é do homem que compreende
que toda a sua força vém de dentro de si, e a partir disto se encaixa na
realidade da forma mais “agradável” possível. Pois bem, esse “agradável” não é
o melhor ou mais bonito. Pelo contrário, o ser evoluído não tem insegurança e
por isto não precisa ser melhor do que ninguém, não há comparação relevante. O
“agradável” aqui é o pleno. É a adequação absoluta ao momento; vendo-se sobre o
prisma orgânico é o correto funcionamento das funções vitais; e vendo-se sobre
um prisma coletivo é a bela integração entre homem e tudo que o integra ao
ambiente, inclusive às demais pessoas, animais, coisas.
4. Conclusão.
O simbolismo
do processo de individuação exprime uma técnica demonstrativa do ideal de
vida nietzscheana, porquanto expõe a força
ativa como desejável, visável, como fim em si mesma.
Por certo, auto conservação, tão
rejeitada por Nietzsche é só uma palavra que enuncia um conceito. Mas o que é
tão ruim assim que ela simboliza? É a não entrega ao mundo; é o desejo de proteção, de interferir no que está
fora; é tudo que se afasta da autoconfiança.
Quiça, sob o ponto de vista da psique,
o desejo de proteção esteja relacionado a uma não superação da vida
intrauterina, do desejo de ser acolhido por alguém. Mas, então, o que seria
esse desejo de acolhimento? Os rituais
de passagem visam mexer nele, mas não para libertar o homem, e sim
transferi-lo a outro acolhimento, ainda que não materializado numa figura
feminina.
Haveria a possibilidade de sair de um
acolhimento e não entrar em outro? Provavelmente sim, seria a entrega total ao self, pois haveria o reconhecimento de
que tudo tem uma função e como tal é de uma beleza única! Teríamos o sentimento
de arte não como uma entrega a algum acolhimento social, mas sim a entrega à
sociedade como um todo. Seria o homem reconhecendo a si próprio como potência
criadora.
Panoramicamente, o querer interno
equivale ao subjetivismo, mas eles só se manifestam porque há vontade. Então, o
que o filósofo e psicólogo unissonamente pregam é que o homem empenhe todas as
suas forças no sentido de compreender quais são suas vontades/libido, para,
então, dominando-a ser capaz de
abandoná-la. Atitude inversa é não ser capaz de encarar a própria vontade e a
partir daí pretender aniquilá-la ou escondê-la.
Enfim, trata-se da entrega ao mundo
que Nietzsche prodigamente defendeu! Pois, em última análise, o que acontece no
mundo é reflexo da própria vontade. Viver é Jogar...
Bibliografia:
GOUVEA, Alvaro, aulas do curso de
psicologia junguiana, 2012.1.
NIESTZCHE, Friedrich, Genealogia da
Moral, Companhia de Bolso.
NIESTZCHE, Friedrich, Vontade de
Potência, Editora Vozes.
JUNG, Carl Gustav, O Livro Vermelho,
Editora Vozes.
VASCONCELOS, Ana, Manual Compacto de
Filosofia, Editora Rideel.