Encampação
Encampação, povoamento, simples mudança ou locatário dos Tupis-guaranis,
um pouco disso tudo Dom João realizou no Brasil ao migrar a corte real fugindo
de Napoleão. E o efeito colateral dessa colonização foi a criação de uma pátria
livre na medida que o herdeiro último desse projeto, Dom Pedro II, nasceu e
viveu como brasileiro.
Quanto a parte norte do planeta, a ocupação dos EUA se deu pela emigração
de famílias inglesas que se deslocaram ao longo do continente. Consta registro
de guerra entre esses colonos e colonos espanhóis retirando desses o que hoje é
a Califórnia. Já a guerra civil resultou na alforria de escravos sendo que a
luta não foi entre eles e seus senhores, mas sim entre senhores que perpetuavam
o regime escravistas e àqueles que estavam se desvencilhando dele. Então nesse
embate metade de interessados os escravos pouco se manifestaram em regra sequer
lutaram, afastando da consciência o protagonismo civilizatório. Não se sabe o
que é pior, observadores que não se enxergam como tal, ou protagonistas que
esquecem o protagonismo alheio. O fato é que como disse Nietzche o poder
reativo é bagagem pesada mesmo quando permanece quietinha sem se manifestar,
somente influenciando.
Coincidentemente no Brasil é atribuída a subida de temperatura que
culminou com o banimento de Dom Pedro II a assinatura da alforria.
Ou seja, a questão de uma sociedade escravocrata branco face negro foi
relevante ao desfecho social pátrio tanto nos EUA quanto no Brasil. Claro que no
Brasil a alforria foi um erro, já bastava a lei do ventre livre. O fato é que
ao supostamente tentar ajudar o próximo a princesa Isabel destrambelhou a ordem
assistencialista de maneira que a intenção de sanear as tensões sociais
resultou no oposto, as ascendeu.
Ilustrativo, portanto, como na ausência de reinado nos EUA a tensão
escravocrata foi moderada por guerra entre senhores, vindo a ganhar o grupo que
já estava cansado do assistencialismo que esse movimento acarreta. Já no
Brasil, a realeza não soube segurar as reclamações sociais e acreditou,
equivocadamente, que a alforria imediata era a solução provavelmente ante a
fake News que o brasil seria atrasado porque ainda tinha escravos.
Daí, hoje temos um império global com um fantasma da monarquia, Trump. Ele
não é Rei ou Imperador, mas vai agir como tal. Já no brasil, passados 135 anos
da implosão da monarquia a sociedade não conseguiu se estabilizar sem ela. Não
foram modernizadas as instituições de maneira eficiente e nossa Constituição
carrega o mesmo método português ao arrepio do engajamento de nossas massas
alcançando a gravidade de não se conseguir reformar seus valores jurídicos
quando em Portugal ela já foi alterada. Ou seja, o Brasil continua usando o
modelo português antigo quando nem eles o utilizam mais, tornando nossa Carta
Magna um texto de penosa efetividade.
Parece que a estampa fantasmagórica do governo Trump está relacionada ao
vácuo causado pelo banimento brasileiro. Sem Dom Pedro II os golpistas ao invés
de viver o luto de perder o administrador de mais 50 anos que dava continuidade
ao trabalho iniciado por seu avô, fizeram o contrário: não reconheceram seu
esforço de maneira que a sociedade perdeu seu poder de auto regulação e o
entregou ao líder do norte, EUA. Assim, desde então o brasil vive sob a
liderança deles. Ainda que alguns presidentes locais tenham tentado reformar a
sociedade de maneira mais eficiente nenhum conseguiu a contento. Talvez
Bolsonaro por nascer do poder que atacou a realeza tenha tido mais
clarividência a lidar o assunto.
Ocorre que ainda que Bolsonaro use seu poder monárquico particular de
maneira singular, botando todos seus filhos na luta eleitoral ainda assim fica
difícil se opor ao planeta globalizado liderado por um fantasma do nosso
passado. Trump hoje recebe o status de imperador, mas não age com o mesmo
discernimento de Dom Pedro II. É claro não podemos viver dependendo de líderes
extremamente competentes, porém também não podemos entregar a administração a
líderes que nos empurrarão ao ostracismo.
Certo é que se a solução ao mal estar coletivo brasileiro não vier dos
próprios brasileiros teremos que engolir valores alheios como condenada
bagagem. Algo como a mitologia chama de maldição familiar, pela ausência de
luto de Dom Pedro II e ainda pela ausência de embate pleno da guerra civil
americana.
Viver um luto é importante para se ter discernimento pois a ausência do
salvado há de ser preenchida seja pelo legítimo herdeiro ou outrem. Se o não
decidir é pior do que decidir mal mesmo em situações sem luto, com ele ainda há
acréscimo dificuldade. Já na esteira do norte se os gringos foram
demasiadamente tolerantes com seus escravos e até hoje nem seus negros
conseguem pensar como cidadãos nem seus brancos os veem assim isso não deve ser
problema do brasileiro pois esse mal estar histórico não lhe pertence, seja
pela lei do ventre livre seja pela alforria a qual mesmo potencialmente
sendo o motivo da queda do império não foi derrubada pelo regime que se seguiu.
Sim é legítimo alforriar
juridicamente um escravo, já travar uma guerra onde o principal interessado não
se engaja nem tanto. Em suma, apesar do cruel banimento da família real no
Brasil ainda assim a maldição familiar do Norte é mais pesada pela ausência de
discernimento do real papel do negro nos EUA.