Excelentíssimo
Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil
Felipe
dos Santos Fontes, brasileiro, natural do Rio de Janeiro, residente a Rua
Guernica 1, Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro/RJ, 21 8031,
CPF 000.833.897-64, servidor público federal, nascido 10 de abril de 1976,
eleitoral 09262310, zona 009, seção 0272, email felipes@gmail.com
oferece
Denúncia
por
crime de responsabilidade, ou dito internacionalmente Impeachment, face
o Excelentíssimo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, nos termos do
artigo 218 do Regimento Interno dessa digníssima sede legislativa, e o artigo
85 da Constituição da República.
Preâmbulo
Como
é notório, no dia 03 de janeiro de 2020, data no Iraque, o Presidente dos EUA
Donald Trump confirmou a autoria do ataque ao carro do General Qasen Sulaimaine
do Irã numa manobra por drone bélico guiado dos EUA vindo a matá-lo junto com
todos integrantes do veículo.
Numa
análise simples do ocorrido essa empreitada violou princípios de
territorialidade entre nações além do direito universal que assiste a qualquer
ser humano de ser julgado antes de sofrer condenação em especial a morte.
Também, o efeito colateral assassinando os demais integrantes do carro.
Lado
outro, essa manobra foi justificada pelo autor como necessária a evitar ataques
terroristas que o General estaria planejando. Certo é que não houve autorização
da ONU, tendo os EUA agido se valendo no que em nossa legislação pátria
denomina “de fazer valer as próprias razões”. É que alegou legítima defesa de
seus nacionais, porém sob as leis da ONU em tempos de paz Presidente Trump não
poderia ter utilizado de um drone para atingir carro estrangeiro em país
alheio.
Daí,
ainda que essa “empreitada” dos EUA venha a ser ratificada pela ONU, o que sob
o aspecto jurídico daria amparo a intervenção bélica de um país em outro, isso
seria irrelevante ao desfecho da presente denúncia face Jair Messias
Bolsonaro. É que a legislação brasileira aponta: O Presidente da República não
poderia apoiar o ato sem consulta ao Conselho de Defesa Nacional e autorização
do Congresso.
Aliás
pelas entrevistas do que ficou chamado “ala militar do governo”, mais
precisamente Generais que trabalharam ou continuam trabalhando pela
presidência, se houvesse debate sobre esse assunto mediante a devida convocação
do Conselho tal nota jamais teria saído.
Por
fim vale dissecar que o acerto da decisão de Donald Trump seja num panorama
abastecido de análise por especialistas em direito internacional, quiçá num
eventual julgamento pela ONU, não daria margem a validar a nota do Itamaraty
porque trata-se de um ato de guerra e nesse caso a nossa Constituição exige
autorização do Congresso para o Presidente se manifestar em especial quando
adere ao país que atacou.
Ou
seja, mesmo que haja reconhecimento internacional que Presidente Trump procedeu
devidamente esse amparo jurídico consideraria que a manobra bélica foi justa
diante do panorama de guerra.
Talvez
uma nota de ajuda humanitária ou de apelo a ambas as nações por reflexões
poderia ser veiculada independentemente do apoio do Congresso, jamais como foi
feita alinhando o Brasil a um dos países beligerantes, notadamente a nação que
iniciou o conflito. Esclareça-se em nenhum momento o General Sulaimaine
reconheceu autoria dos supostos ataques alegados por Presidente Trump a sua
embaixada e seus soldados.
Em
suma, ainda que a ONU venha a aprovar o extermínio do General Sulaimaine junto com
os efeitos colaterais tal aval não excluiria a sistemática que se tratou de um
ato típico de confronto bélico internacional. E nesse caso nossa legislação é
taxativa: o Presidente não poderia se alinhar a um dos lados sem autorização do
Congresso, razão pela qual a presente denúncia deve ser regularmente
processada.
Da Fundamentação Jurídica
No
dia seguinte a inquinada manobra dos EUA o Itamaraty soltou uma nota apoiando a
empreitada.
Só
que tal nota carrega a “mão invisível” da Presidência, por isso descabido seria
propor o impeachment face o Chanceler subscritor posto notório ter sido orientado
pelo Presidente, ante declarações do próprio nesse sentido. Então em outras
palavras, quem detém a legitimidade a se opor a presente denúncia não é o
Chanceler, mas sim o Presidente, inclusive pelo teor da nota extrapolar as
atribuições do Itamaraty nos termos da Constituição:
Do Conselho
de Defesa Nacional
Art.
91. O Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente da
República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do
Estado democrático, e dele participam como membros natos
§ 1º Compete ao Conselho
de Defesa Nacional:
I
- opinar nas hipóteses de declaração de guerra e de celebração da paz, nos
termos desta Constituição;
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da
República
XX - celebrar a paz, autorizado ou com o referendo
do Congresso Nacional
Como se lê, em duas passagens da lei estruturante é inequívoco que o
teor da nota do Itamaraty só poderia ter sido expedido pelo Presidente.
Trata-se de um país atacando outro por si, ou seja, sem apoio de outros países
ou qualquer conhecimento da ONU. Não há dúvidas da natureza da manobra. Aliás,
em todas as entrevistas seguidas ao evento o Presidente Trump explicou a
unilateralidade de suas alegadas motivações: retaliar ataques ordenados pelo
General a Embaixada dos EUA, seus soldados; e evitar outras hostilidades contra
sua própria nação sob ordens do exterminado.
Daí, no mérito do julgamento da grave falta funcional do Presidente está
o descumprimento de relevante valor humanitário: o princípio da igualdade. É
que como o planeta é dividido em nações independentes cabe a todas agirem como
indivíduos entre si, ou seja com respeito recíproco em primeira mão e em
segundo mão defendendo paridade entre todas as nações.
Nessa esteira é fundamentado o teor da lei 1079/50 regulamentando a
atribuição constitucional da Presidência:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente
da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente,
contra:
I - a existência da União
DOS CRIMES CONTRA A EXISTÊNCIA DA
UNIÃO
3 - cometer ato de hostilidade contra nação
estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a
neutralidade.
Senão
vejamos, o Presidente pode agir como chefe de Estado em acordos ou convenções
internacionais, mas num caso de conflito bélico ele não pode se dar ao luxo de
agir como árbitro tomando parte de um lado sozinho. E é por isso que se exige
prévia convocação de órgão vinculado ao Presidente, o Conselho de Defesa
Nacional e outro órgão permanentemente coletivo, o Congresso.
Por
óbvio, a legislação se auto explica: numa situação que pode levar a uma guerra
ou tencioná-la não cabe ao Presidente decidir sozinho que lado escolher. Logo,
a nota do Chanceler encampada pelo Presidente transgrediu com toda força
possível o conteúdo material da norma jurídica transcrita pelo que não há
qualquer dúvida que Jair Messias Bolsonaro há de ser afastado por impeachment.
É
que juridicamente a solução para evitar que esse conflito entre EUA e Irã tenha
repercussão no Brasil como numa extensão indesejável de partidarismo, seja num
futuro próximo ou remoto, está na própria Constituição. O Presidente não pode
se manifestar sobre tal contenda sem a prévia consulta legislativa.
Então,
há solução para a mancha ao Brasil causada pela adesão ao lado dos EUA: fazer
valer a força normativa da Constituição e afastar Jair Messias Bolsonaro por
ter se manifestado publicamente sem a autorização devida.
E,
o procedimento previsto na Constituição é impeachment. Não há como olvidar que
o Presidente comprometeu a neutralidade do Brasil sem a assistência
obrigatória, qual seja, convocar o conselho e pedir voz ao Congresso.
Ressalte-se
ainda que a roupagem legal do evento é de meros atos de guerra, pois não existe
qualquer consulta ou intervenção na ONU a influenciar os países. Assim, mais trabalhada
possível deve ser qualquer manifestação alheia que rompa a neutralidade, por
não haver foro adequado ao debate.
Dos Fatos Probatórios
No
dia seguinte ao extermínio do General Sulaimaine tal nota foi postada na página
do Itamaraty e replicada no twitter do Chanceler:
Ao
tomar conhecimento das ações conduzidas pelos EUA nos últimos dias no Iraque, o
Governo brasileiro manifesta seu apoio à luta contra o flagelo do terrorismo e
reitera que essa luta requer a cooperação de toda a comunidade internacional
sem que se busque qualquer justificativa ou relativização para o terrorismo.
O
Brasil está igualmente pronto a participar de esforços internacionais que
contribuam para evitar uma escalada de conflitos neste momento.
O
terrorismo não pode ser considerado um problema restrito ao Oriente Médio e aos
países desenvolvidos, e o Brasil não pode permanecer indiferente a essa ameaça,
que afeta inclusive a América do Sul.
Diante
dessa realidade, em 2019 o Brasil passou a participar em capacidade plena, e
não mais apenas como observador, da Conferência Ministerial Hemisférica de Luta
contra o Terrorismo, que terá nova sessão em 20 de janeiro em Bogotá.
O
Brasil acompanha com atenção os desdobramentos da ação no Iraque, inclusive seu
impacto sobre os preços do petróleo, e apela uma vez mais para a unidade de
todas as nações contra o terrorismo em todas as suas formas.
O
Brasil condena igualmente os ataques à Embaixada dos EUA em Bagdá, ocorridos
nos últimos dias, e apela ao respeito da Convenção de Viena e à integridade dos
agentes diplomáticos norte-americanos reconhecidos pelo governo do Iraque
presentes naquele país. http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/21184-acontecimentos-no-iraque-e-luta-contra-o-terrorismo
Quanto a postura do Presidente sobre o
evento vale demonstrar sua cronologia. A primeira manifestação pública foi em
entrevista com o Jornalista Datena no dia seguinte e horas antes da publicação
da nota do Itamaraty:
O presidente Jair
Bolsonaro (sem partido), em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, na Band,
Bolsonaro reforçou que a posição do Brasil é “se aliar a qualquer país do mundo
no combate ao terrorismo”. “Nós sabemos, em grande parte, o que o Irã
representa para os vizinhos e para o mundo”, criticou, se alinhando à posição
dos Estados Unidos. https://www.metropoles.com/brasil/politica-br/bolsonaro-e-itamaraty-aprovam-combate-ao-terrorismo
O Presidente foi o
primeiro integrante da gestão federal a se manifestar sobre a manobra dos EUA.
A entrevista foi no sentido do alinhamento a um dos lados da guerra, inclusive
desconsiderando que o Irã é membro da ONU e fiel parceiro comercial brasileiro.
Somente a título de
argumentação, considerando que o Chanceler pudesse ter emitido a nota em
revelia ao Presidente, ainda assim o mandatário deveria ser diretamente
responsabilizado, ainda que por omissão, em razão de sua atribuição
exclusiva para o ato jurídico composto com o pedido de aval ao Congresso.
Portanto, não há dúvida.
O impeachment deve ter como sujeito passivo Jair Messias Bolsonaro, pois
juridicamente se não tiver que responder pela subscrição da nota terá que
responder por ter se omitido diante de sua publicação tendo como única evasiva
a escapar da legitimidade passiva da presente ação, vale dizer a mero título de
argumentação, a defesa de que somente tomou conhecimento da manifestação do
Chanceler por ocasião do recebimento dessa denúncia.
Mas, por certo, sendo o
Presidente homem aliado a verdade inclusive sendo esse seu slogan pessoal tal
evasiva não será aposta por ser incrível.
Após a publicação da
nota o Presidente evitou se manifestar incisivamente sobre o ataque com drone
ainda que continue com o mesmo “papo” sobre a questão internacional no sentido
de que os EUA são dignos de confiança e o Irã de duvidosa ligação com terrorismo.
De qualquer forma até o presente momento, dia 07 de Janeiro às 12:00 hrs, a
inquinada ainda consta da página do Itamaraty, apesar das tensões entre ambos
países só aumentarem desde o evento mesmo ainda em luto oficial no Irã.
Do Direito Internacional ao Julgamento
Para exaurir o assunto
em tratamento vale além de citar a legislação e apontar provas também
apresentar lições do direito internacional e humanitário.
Assim, vale reforçar com
a doutrina que a diferença entre o estado de paz ou estado de guerra não é
aferido por causas e sim por consequências. Nenhuma sociedade humana poderá
garantir ausência de violência donde ela ocorre tanto na paz ou na guerra.
Então como diferenciar um estado do outro?
A judicialização dos
atos coercivos, ou seja, ninguém pode subjugar outrem.
Houve isso no caso do
General Sulaimaine? Presidente Trump afirmou ele estar envolvido em atos
terroristas contra americanos, mas não apresentou qualquer prova, nem garantiu
cenário mínimo de julgamento, sejam defesa, jurados, acusação pública.
Então a manobra foi um ato
de guerra.
Mas, esta denúncia não
tem a menor pretensão de analisar ou muito menos julgar o acerto da atitude
empreendida pelos EUA. Daí delimitada a natureza do acontecimento vale
transcrever a doutrina:
“O Direito internacional
também impõe obrigações aos indivíduos, com o poder de submetê-los ao
julgamento e à punição internacional.” Flávia Piovesan citando Louis Henkin.
Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Página 128, quarta
edição.
Para haver a punição é necessário o
julgamento. E a pena de morte é a pior condenação a que um Tribunal pode
submeter o indivíduo. Logo a decisão tomada pelo EUA de exterminar o General
Sulaimaine não se insere no campo do direito internacional, se insere no campo
de atos de guerra.
Quanto a isso incabível
a nota do Chanceler bem como as seguidas manifestações do Presidente Bolsonaro
no sentido de taxar o exterminado de terrorista. Se o lado dos EUA praticou um
ato estranho ao direito não há porque dizer que o outro lado é praticante de
terrorismo que é eminentemente uma qualificação do direito em tempos de paz.
Ou com outras palavras,
se o Presidente Bolsonaro acusa o lado do Iran de terrorismo, e aplaude o lado
dos EUA por “exterminar” certo terrorista, então nosso Presidente faz dois
pesos e duas medidas acreditando que só o Iran deve obediência a lei.
Assim, o Brasil toma
parte no conflito bélico internacional sem qualquer autorização do Congresso em
frontal corrompimento do texto Constitucional.
Vale ainda transcrever
doutrina citando experiência histórica de uma pós-guerra internacional para que
tal evento não se renove:
“Criada após a Primeira
Guerra Mundial, a Liga das Nações tinha como finalidade promover a cooperação,
paz e segurança internacional, condenando agressões externas contra a
integridade territorial e independência política de seus membros.” Flávia
Piovesan. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Página
124, quarta edição.
Aqui novamente o
Presidente Bolsonaro ignora a liturgia de um chefe de Estado ao reiteradamente
nas lives e entrevistas seguidas ao evento questionar se o General seria mesmo
General sugerindo inclusive ligação terrorista. É que o Iran possui um sistema
político diferente do brasileiro onde uma liderança religiosa integra o governo
federal daí desdenhar dessa estrutura institucional é exatamente o que a Liga
das Nações sugeriu não fosse feito visando garantir paz.
E é de extrema
perturbação a diplomacia vilipendiar cultura estrangeira.
Lado outro, o Presidente
Bolsonaro é um “atleta” da comunicação sempre disposto a conversar com o povo
ou explicar suas atitudes o que é louvável como afeto e relevante aos anseios
dos brasileiros governados por ele. No entanto, houve uma situação inusitada: o
ataque do drone com baixa de liderança política o que infla os ânimos, pelo que
nossa Constituição já prevendo essa possibilidade fixou cautela por
parte do Estado brasileiro.
E tal cuidado é a
convocação do Conselho de Defesa Nacional para opinar e a autorização do
Congresso caso o Presidente resolvesse tomar lado no conflito.
Nada disso foi feito até
o presente momento mesmo diante da escalada crítica.
Rol de Testemunhas
Solicito
ouvir na Comissão de Instrução: Chanceler Ernesto Araújo:
1.
Como percebe o conflito entre EUA e Irã, uma
guerra entre dois países membros da ONU ou um conflito entre uma nação guardiã
da moral e um grupo terrorista?
2.
Reconhece a função do General Sulaimaine como
integrante da organização estatal Iraniana? Explique inclusive diferenciando a
coexistência entre a administração central federal e a liderança religiosa do
Aiatolá?
3.
Conversou com o Presidente sobre a elaboração
da nota antes ou depois da mesma?
4.
Ponderou com o mesmo que o teor da nota
extrapolava as atribuições do Itamaraty por abordar atos de guerra entre dois
países?
5.
Ponderou com o mesmo sobre a necessidade de
convocar o Conselho de Defesa Nacional para opinar, e solicitar autorização do
Congresso caso se inclinasse por alinhamento a um dos lados?
6.
Conversou com alguma autoridade dos EUA, do
Irã ou da ONU por ocasião da elaboração da nota?
Todos
integrantes do Conselho de Defesa Nacional:
1.
Houve alguma consulta por parte do Presidente
ou Chanceler sobre a elaboração da nota do Itamaraty
2.
Concorda com a nota?
3.
O que mais te causa temor como especialista
em segurança institucional, ataques supostamente terroristas seja por ordens
governamentais iranianas seja suas milícias; ou as ditas “nukes” dos EUA?
Requer,
respeitosamente, emissão de ticket aéreo Rio/BSB/Rio para discorrer por 5
minutos sobre o recebimento da denúncia no dia de votação no plenário.
Por
fim requer máxima urgência na tramitação da presente ação nos termos do
Regimento Interno em ordem a evitar que a postura de alinhamento automático do
Brasil aos EUA sem a devida consulta ao Conselho de Defesa Nacional e o pedido
de voz ao Congresso não só aumente a tensão entre os contendentes, e ainda fomente
ataques a América Latina comprometendo a relação comercial notadamente o custo
do combustível fóssil.
Rio
de Janeiro, 07 de Janeiro de 2020
Felipe
dos Santos Fontes