Felipe
dos Santos Fontes
Autor
Parricídio
Simbólico
Monografia apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Rio como requisito final para obtenção do
título Especialista acadêmico em Psicologia Junguiana no curso realizado nos
anos 2012/13.
Alvaro
de Pinheiro Gouvea
Isabela
Fernandes
Orientação
Departamento
de Psicologia
Programa
de Pós-graduação
Rio
de Janeiro
08
de novembro de 2013
SUMÁRIO
Prefácio
--------------------------------------- 02
Introdução------------------------------------
07
1. Anima e Animus - A Importância da Imagem
de Casal para o Filho --------------------- 16
2.1
Urano
e Crono------------------------ 25
2.2
Crono
e Zeus-------------- ----------- 28
2.3
Anakim
Skywalker – O Filho sem Pai e seu Destino----------------------------------- 35
3. Individuação e Parricídio--------------
49
Conclusão-------------------------------------
58
Bibliografia------------------------------------
63
Prefácio
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Por essas razões que reconheço em
Jung um precursor pleno de mim mesmo.
E, no mundo concreto, essa identificação é refletida em meus professores em
especial no Alvaro, coordenador do curso.
É que me identifico, beirando a
totalidade, com o que os autores junguianos defendem. Enquanto pesquisava e redigia essa monografia
fiquei satisfeito em constatar que as ideias brotando em meus dedos encontravam
eco nas leituras recomendadas pelo curso. Aliás, creio que o tema ora escolhido
foi grande sorte, ou quem sabe sincronicidade, pois o parricídio
simbólico é assunto recorrente nos livros junguianos, mas na pesquisa
bibliográfica que fiz não encontrei nenhum livro nacional que sistematize o
assunto como tema principal, o que pavimentou a possibilidade de um trabalho
importante, e ainda, pioneiro.
Acabei me encontrando na
especialização junguiana após fazer uma especialização de filosofia, também na
PUC-Rio, notadamente porque quando fui entregar trabalhos havia um cartaz
chamando para as inscrições. Achei perfeito. Logo verifiquei se aceitavam
alunos não psicólogos e ante a confirmação
fiquei em êxtase. Estava perante a possibilidade que vinha almejando: a de
estudar as ideias de uma psicologia que sabe lidar com os opostos. É que meu
interesse na filosofia era buscar uma visão mais confiável do mundo e quanto mais
estudava mais era movido para a psicologia porquanto acredito que o homem que percebe o mundo, o observador,
é a causa de tudo que acontece. E, a psicologia lida melhor com esse
preceito do que qualquer outra área acadêmica.
E, me surpreendi positivamente,
mesmo depositando muitas expectativas no curso: tudo que via na especialização
era o que sempre admirei ao longo da minha vida: mitologia, relatividade
Bergsoniana, exposição artística, trabalhos manuais com o barro.
Teve um lado incômodo. Senti de um
ou dois alunos do curso preconceito por não ser graduado em psicologia. Creio
que era um enrijecimento pela não
aceitação de que não existe seleção perfeita, ou seja, antes de julgar quem é
adequado ou não deve se abraçar o mundo como ele é. Essa é outra percepção da
integração dos opostos, a de contemplar as pessoas sem preconceito, igualdade
face diferença. O que importa é o
aspecto funcional e eu não estava ali para ser um psicólogo. Estava para
aprofundar meus estudos na área acadêmica que admiro e respeito. De qualquer
forma, tomo como certo que Jung aprovaria uma especialização multidisciplinar, pois ele sempre foi
aberto ao diferente; e não há registros que tenha pretendido ocultar qualquer
aspecto profissional que tenha vivenciado. Nesse sentido seu último livro “O
Homem e seus Símbolos” no qual vários autores sob a coordenação dele fazem um
livro voltado para leigos. Pondero, igualmente, que sua trajetória profissional
afasta vaidades acadêmicas verticais,
como títulos. Também podemos compreender a situação de forma metafórica
imaginando se as pessoas nascidas de parto normal rejeitassem as de cesárea?
Parto normal pode ser “melhor” para a criança e o bebê, mas desde o momento que
se originou nova forma de nascimento não cabe no presente questionar validade
de algo passado, no caso a aprovação na entrevista
para ingresso no curso.
Enfim, fiz o curso e esta é a
monografia prefacienda. Quanto ao
tema escolhido pouco do que escrevi é novidade. Talvez um tanto novel seja defender que Zeus esteja longe de um símbolo de homem em individuação. Digo
isso porque alguns junguianos o percebem como alguém com vários polos integrados, situação que não reconheço.
Quanto às referências literárias,
creio que poetas como Hesíodo e Homero se transformaram em escritores
midiáticos como George Lucas pelo Star
Wars ou os irmãos Wachowski por Matrix.
É que os mitos antigos ou os indígenas não
mais são suficientes a explicar a sociedade atual. Os filmes épicos podem
ser considerados uma nova mitologia na medida em que o povo se identifique com
o simbolismo por detrás da estória.
No que tange aos junguianos todos
defendem ideias parecidas: não violência, respeito aos limites dos outros,
proscrição de mentira, aceitar a sombra,
integração dos opostos, importância dos sonhos
e com o considerável diferencial de aceitar valores míticos como explicadores
do mundo. Freud se focou nas repressões familiares, ou seja, limitou sua visão
aos arquétipos ligados à afetividade vertical, enquanto Jung vislumbrou ao lado
do complexo edipiano o que ele
chamou de inconsciente coletivo.
Talvez a única divergência sistêmica
que vejo entre os junguianos é como a consciência modifica o inconsciente.
Nietzsche ao longo de seus livros fez alusões de que o homem que superar a moral religiosa será movido a entrar em
contato com forças maiores que ele. E quando isso ocorrer ele poderá ficar
dominado por ela tendendo a se adoentar tão logo esgotada sua utilidade para o complexo que aderiu, ou então,
conseguir sair dele e se tornar mais forte do que quando entrou. Quiçá isso
explique a relação consciente e
inconsciente na medida em que as acepções familiares se confrontadas com
outras serão postas a prova. E, se o homem for forte o suficiente saberá
distinguir o que ambas tem de limitado e ato contínuo visionar o que tem de próprio em cada uma e
abandonar o resto. Creio que esse reconhecimento de si somado ao descarte de
resíduos não funcionais explica a relação entre tais opostos da mente.
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Introdução
O relacionamento familiar,
notadamente envolvendo pais e filhos, demonstra a alteridade[1] de
cada um, na medida em que informa o referencial do filho para o processo de individuação. Tais afetos
familiares não são visualizáveis pelos integrantes do grupo, pois eles somente
sabem que possuem vínculos parentais, mas não possuem domínio consciente do significado que tal alteridade exprime.
Esse significado somente é compreensível para aqueles que se dedicam ao
estudo da psicologia junguiana, em especial à interpretação de mitos. Ou então
para aqueles que alcançaram uma visão panorâmica de si, o que comumente implica
por atravessar com sucesso ritos de
passagem: “Os chamados ritos (ou rituais) de passagem, que ocupam um lugar
tão proeminente na vida de uma sociedade primitiva (cerimônias de nascimento,
de atribuição de nome, de puberdade, casamento, morte, etc.), têm como
característica a prática de exercícios formais de rompimento normalmente
bastante rigorosos, por meio dos quais a mente é afastada de maneira radical
das atitudes, vínculos e padrões de vida típicos do estágio que ficou para
atrás[2].”.
Pois bem, o objetivo da presente
monografia é propor o parricídio
simbólico, para aquele que almeja a alforria do verticalismo[3]
dos pais. Essa é a essência deste estudo: superar
os inconvenientes sem, com isso, criar outros. Vejamos: a independência não
se conquista com atos violentos[4],
ao contrário, ela é alcançada com a diferenciação
típica do processo de individuação
junguiano. E essa diferenciação presta-se inicialmente a separar o que é
dos pais face o que é do filho, até para que a criatura possa escolher que herança pretende receber dos criadores.
Daí, o verticalismo não ser uma expressão de submissão como a sociedade ordinariamente
define, mas sim uma relação de vulnerabilidade entre o observador e seus vínculos com demais pessoas, a qual tem como
pilar fundamental a divinização de
algum valor. Ou seja, para quem acredita em violência para se impor, viverá
cercado por guerra; para quem acredita que precisa de pais para se impor,
viverá cercado por disputas familiares; quem acredita que precisa de títulos
sociais para se impor, viverá cercado por disputas ideológica; quem acredita
que precisa de dinheiro para se impor, viverá cercado por competição. Por
óbvio, a consequência imediata do verticalismo
é a segregação. Em todos os casos, se separam iguais por critérios externos ao
que são próprios, ou seja, segregados por rótulo, fruto do enrijecimento que
permeia o raciocínio daquele que observa.
Percebe-se que verticalismo é o engessamento, a auto-conservação tão criticada por Nietzsche[5]
por ser aniquiladora da criatividade, consubstanciando, sob o viés psicológico,
a inabilidade do homem que enquanto filho é incapaz desmistificar valores que
considera intransponíveis, notadamente por serem absorvidos sem qualquer
triagem mediante herança através do inconsciente.
Assim, como veremos nos mitos, o filho foi trazido ao mundo pelos pais e,
portanto, deve respeitar tais forças sob pena delas ficarem latentes no
inconsciente provocando todo tipo de imagem devoradora típica dos símbolos verticais, posicionando o
homem nas trincheiras da vulnerabilidade a ponto de fazê-lo associar com
pessoas ou grupos forçadamente. Em suma, toda associação deve ser motivada pela
vontade de estar próximo, e não por um elemento externo como proteção ou algum desejo reprimido de apropriação. E, o causador desses dois
indesejáveis vetores é o verticalismo, ou seja, a incapacidade do homem em
reconhecer que a sua alteridade é composta pela vontade de seus pais, a qual
não foi diferenciada pelo parricídio
simbólico.
Nesse sentido posso citar: “O ciclo de alteridade engloba os
arquétipos da anima, no homem, e do animus, na mulher, que padroniza o
relacionamento do ego com o outro no nível corporal, social, ideativo-emocional
e da natureza de dialética e igualitária.”[6].
Lendo o restante do texto a que a transcrição se refere o autor segue
posicionando pela necessidade de uma evolução que ele chama de passagem dos arquétipos patriarcal e
matriarcal para o arquétipo de alteridade. A ideia que ele defende tem
semelhanças com a do parricídio
simbólico tendo como diferença, meramente terminológica, que verticalismo é
chamado de arquétipos patriarcal e matriarcal, pelo que ele distingue
verticalismo em dois arquétipos, quais sejam, do pai e da mãe. Depois ele
delineia que ambos os arquétipos estão associados sistemicamente, na medida em
que descreve autores que defendem alternância entre culturas onde prevaleceria
o modelo patriarcal ou seu oposto, para concluir que não é bem assim, pois
mesmo em uma sociedade patriarcal o arquétipo matriarcal também está ativado: “... podemos conceber que culturas atuais que
apresentam grande exuberância matriarcal, como tantas culturas brasileiras negras e índias, por exemplo, não sejam
necessariamente mais atrasada que a cultura europeia, que apresenta nítida
dominância patriarcal.”[7].
Essa união sistêmica entre os arquétipos
verticais descritas pelo autor Byington é o objeto do primeiro capítulo.
Outrossim, cumpre salientar,
considerando a validade do complexo de
Édipo, que em uma sociedade onde a mulher domine a administração familiar o
padrão será patriarcal e vice-versa, ou seja, se a mulher tiver predominância
na influência perante seu parceiro sexual ela definirá o modelo patriarcal,
pois sabedora, ainda que inconscientemente, que o filho desenvolverá pulsão por morte dirigida contra o
arquétipo vertical dominante, por óbvio será melhor se manter fora dessa linha de fogo. Senão, pensemos, se o
filho invejará a administração tocada
pelas autoridades familiares, antes mesmo de se dar conta da sua própria
autoridade, segue que ele disputará vorazmente
com aquele que responde pelo comando, seja a mãe ou o pai. Valendo a leitura que resume o que ora é
exposto: “Essa fatídica distribuição infantil de impulsos de morte (thanatos:destrudo) e amor (eros:libido) constitui o fundamento do
agora celebrado complexo de Édipo,
que Sigmund Freud, há uns cinquenta anos, apontou como a grande causa do
fracasso do adulto no sentido de comportar-se como ser racional.”[8].
Contudo, cabe pontuar que a vivência
de tal complexo concorre com o parricídio simbólico, ou seja, se o
filho conceber utilidade em tomar o poder dos pais para si, então, será infeliz
como Édipo, seja competindo com os pais, seja competindo na sociedade com
aquelas pessoas em que projetar a figura de autoridade. Em suma, o complexo de
Édipo realmente acontece, mas não é uma necessidade, pelo contrário, demonstra
o fracasso do homem em tornar conscientes suas infantilidades, pois o filho não
soube distinguir onde termina a autoridade dos pais para com si, ou mesmo teve
forças para se desvencilhar dessa influência de forma consciente e harmônica.
Também na mesma linha: “O matricídio
e o parricídio simbólicos são fundamentais para o gradual estabelecimento da
identidade como ser separado já nos estágios iniciais do processo de
individuação.”[9].
O junguiano expõe a necessidade evolutiva de um estágio obscuro para outro
consciente. E prossegue em parágrafo seguinte: “... é importante não
dissociarmos de nossas origens, de nosso caos original, pois somente dele pode
se estruturar um novo cosmos.”. O autor percebe a necessidade de um processo evolutivo cuja meta principal
é distinguir o filho como entidade própria. E quanto não dissociar das nossas
origens, é de fato imperioso, pois não há como estabelecer uma ponte saudável
para uma realidade mais própria ao filho mediante puro questionamento frontal aos
pais. Aliás, essa é a razão pela qual o pensamento
acadêmico filosófico que não apresenta alternativas aos questionamentos que
faz é natimorta. Se o filho, em suprema solidão, deve superar a imposição da
sexualidade de duas pessoas, seus pais, o que, por si, já é uma tarefa que soa como impossível para muitos, jamais
conseguirá êxito confrontando os dois ou sequer um deles. A força que oportuniza o nascimento de um filho é a soma do poderia do
pai e da mãe, então a criatura tomar essa energia dos criadores como
ameaçadora é uma atitude que a maior parte dos estudos filosóficos tendem como
adequada; mas, assim agir, é um ato de açodamento. De qualquer forma, é natural
que dentro deste processo evolutivo haja um
afastamento do filho das suas origens, leia-se do seio que circunda seus
pais, porquanto, como tratado no capítulo primeiro, existe um jogo político
entre pai e mãe que para ser compreendido pede por um deslocamento de eixo em
ordem a garantir que o filho desenvolva uma nova visão acerca do relacionamento
deles, para, então, tratar com eles não mais como deuses, mas como amigos.
Portanto, a grande sabedoria desse processo é que o afastamento se dê da maneira menos traumática possível.
Cabe
pontuar, na esteira dessa introdução, que parricídio ou matricídio simbólicos
encerram o mesmo objetivo para o fim desse estudo, ou seja, o presente trabalho
não é sobre o assassinato simbólico do pai, mas sim dos pais. É que na
mitologia grega o parricídio se popularizou mais dado o caráter patriarcal
daquele povo, por isso a abordagem dos
mitos ilustra uma violência direta do filho contra pai, tendo a mãe papel
de intermediária nesse evento,
indiferente ou até de enganada. Trata-se de uma questão cultural, ou seja, como
o homem aceitou o ônus de ser o chefe da família ele deve responder pelas dores
de quem não está satisfeito com a administração do lar. De qualquer forma, na
concepção do filho, pai e mãe jamais devem ser vistos ou compreendidos
totalmente dissociados um do outro, pelo que esse conceito matriarcal ou
patriarcal é uma mera distinção didática para estudos de diferentes culturas.
E,
infelizmente existem poucos conhecimentos sobre mitologia indígena brasileira, como antes transcrito de
preponderante caráter matriarcal, seja porque os nossos índios não desenvolveram
a escrita, seja porque não houve transferência de cultura entre os indígenas e
seus sucessores no país, os europeus e depois nós os brasileiros. Ao contrário,
com os gregos temos obras literárias compostas por eles no século VIII antes de
Cristo, logo após o surgimento da escrita, como a de Hesíodo, somada a uma sucessão de cultura dos gregos para os
romanos e destes para toda a cultura ocidental, seja através da literatura ou
de religião[10].
Então
essa monografia se aterá aos mitos enunciados por Hesiodo, 2.1 e 2.2, na
Teogonia (século VIII AC); e depois será realizada uma análise do personagem
Anakim. Esclareço que a saga Star Wars foi escrita por George
Lucas[11]
atento aos estudos mitológicos, utilizando várias metáforas pertinentes, mas
com o diferencial da introdução de um mundo dotado de alta tecnologia: “Guerra
nas estrelas certamente possui uma perspectiva mitológica válida. O filme
encara o Estado como uma máquina e pergunta: “A máquina vai esmagar a
humanidade ou vai colocar-se a seu serviço? ””[12].
Na
mesma linha, autores Byington e Boechat, na compilação Moitará 1, defendem que a
tecnologia é uma ferramenta útil, mas que sua utilização não é sintoma, por si
só, de que seu detentor tenha um arcabouço
psicológico mais lapidado do que integrantes de povos tribais. Boechat faz
uma explicação preambular dizendo que não utiliza a expressão “povo primitivo”,
preferindo tribal ou pré-letrado,
inclusive porque esses grupos ainda que sem tecnologia não hão de serem
considerados culturalmente inferiores à sociedade em que estamos.
Portanto,
ainda que a saga seja classificada como ficção ou aventura ela se mostra atenta
aos valores mitológicos. É que a mitologia
é um conto que transcende as palavras, que decifra aquilo que somente é
explicável por meio de símbolos, pois
as palavras não sustentam a carga semântica do valor que se quer transcender. E
tudo isto para que a vida faça sentido, ou, pelo menos, que seja agradável.
Aliás,
vale deixar indene de dúvidas, os poetas
da mitologia, como Hesíodo ou George Lucas, são os intérpretes do mundo, ou
seja, são capazes de ecoar como ou porque funciona o cotidiano das pessoas.
Eles não são necessariamente gênios ou
intermediários insuperáveis, mas se dedicam a ter uma visão mais
embrionária dos acontecimentos.
Consequentemente,
a saga não se enquadra no conceito clássico de mito, notadamente porque foi
escrita pelo autor como uma peça de ficção, embora seu conteúdo tenha
associações com mitos clássicos e sua expressão como peça artística alcança o
melhor que um mito fornece: o poder de esclarecer aquilo que representamos ao
mundo!
Nesse
sentido: “Assim, o mito não é algo falso, fabuloso ou uma estória apenas
agradável de se ouvir, mas um poderoso agente catalisador de mudanças
individuais e sociais.”[13].
Ademais, o mito está intimamente
conectado a teoria desenvolvida por Jung acerca do inconsciente coletivo. Aliás, quando o mito é capaz de simbolizar o funcionamento do indivíduo
ante a sociedade poder-se-ia dizer que o inconsciente coletivo é expresso pelo
próprio mito, pois o cotidiano das pessoas, nesse caso, é pautado pelo mistério que fundamenta a estória
mítica.
Portanto, o inconsciente coletivo,
assim como o mito, está intrinsecamente relacionado ao cenário que explica os
aspectos objetivo e subjetivo[14]
que fundamentam os acontecimentos. Senão vejamos: “Do inconsciente emanam
influências determinantes, as quais, independentemente da tradição, conferem
semelhanças a cada indivíduo singular, e até identidade de experiências, bem
como da forma de representá-las imaginativamente. Uma das provas principais
disto é o paralelismo quase universal dos motivos
mitológicos, que denominei arquétipos, devido a sua natureza primordial.” [15].
Em resumo, quanto ao estudo
anima/animus demonstrará que o filho, sob o aspecto sexual, interage em
situação de fraqueza contra sua origem, pois ele deriva da comunhão de duas
pessoas, ambos os pais, face um: o filho; vulnerabilidade
que expõe a situação de desconforto de quem está sujeito à dependência
emocional vertical. Quanto à leitura dos mitos exporá a natureza dos
relacionamentos, ou seja, a forma como cada um se enxerga, o que dará luz à alteridade. Por essas razões,
vislumbraremos o parricídio simbólico, enquanto construído sem
derramamento de sangue nem sentimentos de destruição, como o caminho que conduz
ao amadurecimento do homem, em benefício da plenitude como ser.
Capítulo
1 - Anima e
Animus - A Importância da Imagem de Casal para o Filho
Recorro
à percepção conceitual junguiana para alcançar a demanda pela sexualidade cindida:
Estas
ideias sobre anima e animus levaram-me a adentrar ainda mais nos problemas
sentidos supremos, e mais coisas afloraram para reexame. Nessa época, eu
concordava com o princípio kantiano de que existiam coisas que nunca poderiam
ser resolvidas e que, portanto, não se deveria especular sobre elas, mas me
parecia que, se eu pudesse encontrar essas ideias precisas sobre anima, valia
bem a pena tentar formular uma concepção de Deus. Mas não consegui chegar a
nada satisfatório e pensei, por algum tempo, que talvez a figura da anima fosse a divindade. Eu disse a mim
mesmo que talvez os homens tivessem originariamente um Deus feminino; mas,
cansando-se de ser governado pelas mulheres, derrubaram este Deus. Pus
praticamente todo o problema sentido
supremo na anima e concebi-a como o espírito dominante da psique. Desta
forma, travei uma discussão psicológica comigo mesmo acerca do problema de Deus.
( Jung. Livro Vermelho. Página 234).
Parece
que anima/animus significariam que um homem só se torna um ser completo com uma
mulher e vice-versa:
Se
sois rapazes, então vosso Deus é uma mulher.
Se
sois mulheres, então vosso Deus é um rapaz.
Se
sois homens, então vosso Deus é uma moça.
Deus
está onde vós não estais.
Portanto:
é sábio que se tenha um Deus. Isto serve para vossa perfeição.
Uma
moça é futura parturiente.
Um
rapaz é futuro gerativo.
Uma
mulher é: ter parido.
Um
homem é: ter gerado...
(Jung.
Livro Vermelho. Página 234).
Um
filho de nossa espécie, ao menos até a tecnologia atual, só pode ser gerado
pela soma de genes masculinos e femininos, pois até clone tem extraída essa
característica. Então parece que a natureza,
ao menos sob o ponto de vista de procriação humana, exige a união de opostos sexuais para a concepção. No
entanto, ter filhos não é sinal de sucesso ou fracasso sob o ponto de vista
psicológico, daí não se entrará na discussão de eventuais limitações da
homoafetividade; ou da herança geracional debatida desde a Grécia antiga e
imortalizada em filmes como o Planeta dos Macacos onde ter herdeiro seria
fundamental. O que interessa saber é como o filho vê a sua alteridade no que tange a influência do poder sexual dos pais, pois quanto a sua própria vida sexual ele
não precisa se identificar com alguém do sexo oposto, ou sequer da sua espécie.
Pois
bem, o poderio sexual dos genitores
face o filho é a faceta mais contundente do verticalismo, na medida em que a
criança se vê em estado de vulnerabilidade na qualidade de ser supostamente
incompleto contra dois seres supostamente completos, dada a união entre si dos
pais. A ideia de completude aqui indica que os dois parâmetros principais da
criança são para ela uma entidade só: a ascensão
paterna somada a materna. Ocorre que esse jogo de poder é desequilibrado, pois são dois contra um, e
principalmente porque a superação do verticalismo só se perfaz quando
compreendidos os dois, ou seja, não cabe ao filho se associar a um deles para encontrar
a “verdade”. Para encontrá-la ele terá que compreender ambos em todas suas
diferenças e não se associar a nenhum deles em detrimento do outro. Somente
assim supera-se o verticalismo sexual.
Caso
não haja a superação, frustações com pessoas exercendo autoridade, como chefes ou administradores públicos, ocorrerão
repetidamente na vida do filho. É que o caminho para a evolução é tornar obsoleto o modelo existente, o que não inclui se chocar com ele.
Ainda
que certas atitudes pareçam sensatas, em tese, na prática é comum a busca por
uma espécie de verdade que nem a
disciplina da instituição onde se eventualmente está quer oferecer, nem a
pessoa no exercício dessa liderança. E nesse caso, a disciplina ou lei assume a
representação vertical feminina ou
materna, e o comandante/mestre assume a representação
vertical masculina ou paterna, pois quando se está em grupo o feminino simboliza a disciplina da instituição,
sob seu aspecto de campo para agir; e o masculino simboliza os administradores da instituição, sob seu aspecto fálico
de impulsão. Mas, isto não significa dizer que, por exemplo, na corregedoria ou
conselho onde se elabora a disciplina só haverá mulheres, e nas funções
executivas da organização só homens; pois, como Jung pontua, tanto homem e
mulher possuem lados sexuais invertidos no campo racional. E, a finalidade de
uma empresa não é sexual, por isso que o sexo, para esse fim, não faz
diferença, ou, ao máximo, faz uma diferença secundária.
Analisando
sistemicamente a sexualidade somada a divindade vale a leitura: “Você pensa em
Deus como o pai. Agora, nas religiões em que o Deus ou o criador é a mãe, o
mundo inteiro é o corpo dela. Fora daí não há nada. O Deus masculino geralmente
está em outra parte. Mas masculino e
feminino são dois aspectos de um só princípio.”[16].
Essa é a ideia mitológica que expressa a relação do filho para com seus pais: pai
e mãe são, na visão do filho, uma indivisível divindade, ao menos até
processado o parricídio simbólico.
Ocorre
que causa perplexidade no filho cindir a divindade, ou seja, aceitar que seu
pai e sua mãe são duas entidades autônomas. A raiz da dificuldade dessa latente
incompreensão reside na necessidade do homem ter que aprender sozinho, ser autodidata, pois para agir da sua
própria maneira deve retirar a máscara
divina dos pais. Nesse caminho, os pais não são inimigos, mas também não
são confiáveis, pois se pretende avançar onde eles não são capazes de enxergar
ou contemplar. É de fato o lapidado conceito de crueldade estética, o de saber que não se pode depender em nada da
visão dos pais, pois ela é vesga e insuficiente a levar onde se pretende
chegar.
Crono,
Zeus ou Anakim, nenhum deles for capaz de trilhar seus próprios caminhos. Crono
e Zeus atacaram os pais. Anakim já nasceu sem pai, mas a vida toda desenvolveu
uma pulsão por morte contra pessoas
que projetava a figura de proteção paterna.
A
crueldade estética é expressa pela
imperiosa necessidade que o homem tem de compreender as pessoas que o cercam.
Deve perceber que há vontade em tudo que é vivo e que isso há de ser enfrentado, o que implica em tomar
posturas francas, inclusive as mais justas consigo para garantir tal abordagem. Essa conformação é impiedosa
porquanto exige do homem uma lucidez desagradável aos seus instintos mais
animais ou originários, notadamente os de domínio ou influência sobre pessoas.
Somente essa força é capaz de moldar
o homem ao processo individuatório.
A
lucidez desagradável é devida ao
jogo de manipulação recíproco entre os pais. Jogo esse que nem eles sabem
fielmente que estão jogando. Vejamos, há uma espécie de sedução entre os pais
que vai muito além do ato sexual. Trata-se de um jogo político. E para eles o filho deve ser um espectador
assíduo desse “espetáculo”. É que é corriqueiro que os pais acresçam ao jogo
político que travam entre si a admiração dos filhos, como uma plateia. Quem
nunca escutou a frase “Só não me separo por causa das crianças”. O pai ou mãe
que pensa assim acredita que o casamento faz bem ao filho, mas na verdade
somente está ensinando ele a protagonizar jogos sociais de péssima qualidade.
Derivam,
daí, várias consequências, como a eventual necessidade de separação dos pais
para que o filho “acorde” que eles não são deuses[17].
Às vezes somente com a separação o
filho perceberá que o cotidiano dos pais é um jogo político, do qual o desejo
sexual é fator integrante. No nascimento isso naturalmente ocorre entre a
criança e os pais, mas quem não elabora o parricídio
simbólico transfere, inconscientemente, essas figuras divinas para os
filhos que tiver, e também algum “mestre” social como um chefe. Dessa maneira
pretendendo eternizar suas infantilidades, de caráter vertical, projetando-as
em quem as aceitar.
Em
suma, jogo político e jogo sexual são atividades correlatas, ainda que pareçam
se confundir nos relacionamentos amorosos. Mas para ao filho é muito difícil
perceber tal distinção, principalmente quando os pais são casados. Certo é que
hoje em dia há uma tendência a transformar a rigidez desse panorama, citando troca de casais, voyerismo ou
surubas. Tais encontros explicitam que a energia sexual não se esgota no jogo
político do casal. E, tal percepção pode ser muito dolorosa para um filho,
notadamente para aquele excessivamente submisso à autoridade dos pais.
Quanto
à perspectiva biológica, a espécie
humana precisa de dois opostos cindidos para gerar único oposto, ou seja, o
espermatozoide do homem somado ao óvulo da mulher geram um homem ou mulher. Esse
fator biológico implica em uma cisão seguida da possibilidade de criação: O ADN
é composto do material genético cindido do pai, metade do ADN do filho, com o
material genético cindido da mãe, outra metade do ADN do filho. Dessa maneira,
o filho é uma fragmentação tanto do pai quanto da mãe; então as forças que
demandam a vinda de um filho ao mundo são a soma fragmentada do amor[18]
entre pai e mãe. Essa complexidade
biológica deve ser contemplada pelo homem como sua própria consistência,
pois foi o caminho que a natureza encontrou para edificar a espécie humana. No
entanto, para o filho tal complexidade demanda reflexão para que ele não perca a confiança em si, mesmo quando se
der conta de sua vulnerabilidade perante os pais. Problema não é se dar conta
da vulnerabilidade. Problema é a consequência disso: Ou o filho fica acuado,
submisso; ou o filho vira autodidata para criar a sua própria realidade em
ordem a tornar obsoleta essa
realidade fragmentada que recebeu
dos pais.
Essa
fragmentação se expressa na necessidade do filho ter que encontrar seu oposto
sexual fora do ambiente familiar, contexto que por si já demonstra como o complexo familiar não satisfaz as
necessidades do filho, que ante tal incompletude tem que se aventurar na selva
social em busca de sua outra metade sexual. É que como a espécie humana
é separada em macho e fêmea, em tese,
um precisa do outro para se auto
realizar como entidade inteira, plena. Vale a leitura: “A integração dos
opostos sexuais (o andrógino) é, portanto, símbolo do processo de individuação.” [19].
Portanto, sob a perspectiva sexual, ou se abraça voto de castidade, ou se auto
aceita como ser incompleto no campo genital, ou se encontra a sua outra metade,
se é que isso seja viável, para que,
nesse último caso, o ser sinta a sensação de plenitude sexual: “O andrógino,
como figura original mitológica, de uma humanidade anterior, representa também
a totalidade do ser, e é um símbolo
do arquétipo do si-mesmo.” [20].
Em
suma, na relação entre pais e filho, os genitores, ao menos aos olhos da
criatura, são uma entidade plena entre si. E, o filho, na qualidade de metade
no que tange a genitália sexual, fica vulnerável ante a totalidade sexual que os pais representam. Tal totalidade é a razão pela qual não existe parricídio ou matricídio
isolado um do outro, porquanto só ocorrem conjuntamente mediante o parricídio simbólico.
A
vulnerabilidade do filho é expressiva no que tange a necessidade que ele tem de
sair do ambiente familiar para encontrar sua referência sexual, sob pena de
projetar suas forças contra os pais incorrendo no complexo de Édipo. Isto porque se o filho não desenvolver
sadiamente sua sexualidade compensará
essa repressão contra as figuras de autoridade que tiver. Ocorre que essa busca
além das paredes da família acarreta insegurança, pelo que transcrevo Jung para
ilustrar essa problemática: “Podemos então compreender por que se recorre ao
“círculo protetor”. Este deve impedir a “efluxão”, protegendo a unidade da
consciência contra a fragmentação provocada pelo inconsciente. ”[21].
Tal fragmentação a que Jung se
refere parece ser a demanda da
sexualidade cindida, ou seja, a necessidade do filho em ter um lastro de confiança fora de si para
completar a metade sexual que é.
Enfim,
não há estrada segura, pelo contrário a busca pela segurança somente gera insegurança. O caminho deve ser a da imagem abaixo: viver a própria vida
deixando livres as pessoas ao redor. Na realidade o tal “círculo protetor” não
garante proteção no sentido de estabilidade, mas sim serve a tornar viável um
mínimo de discernimento, para que o
observador não interprete atitudes desconhecidas como estranhas em ordem a
respondê-las como ameaças. Em última análise, confiar em si também implica em
confiar no próximo, mas enquanto não se alcança esse estágio de puro dinamismo somente resta ao observador
permitir ao próximo o máximo de liberdade por ele querida.
Imagem na capa do livro O Segredo da Flor de Ouro
Capitulo
2 – Estudos dos
mitos
2.1
Urano e Crono
Na
Teogonia, Hesíodo narra que Urano e Geia
são a primeira geração de Deuses. Trata-se do primeiro casal. Eles tiveram 12
filhos e o último foi Crono: “E todos os filhos que nasceram de Geia e Urano,
filhos terríveis, foram odiados desde o começo por seu pai. Assim que nasciam,
ele os escondia nas profundas entranhas de Geia, impedindo-os de sair à luz...”
[22].
A
denominação de terríveis explica sua
classe: os Titãs[23],
os quais são a segunda geração de Deuses. Eles são bárbaros. Vivem do desejo de
possuir tudo que lhes chame a atenção. Seus
limites não são dados por eles mesmos, mas sim pela medida que os outros
impeçam suas invasões ou barbáries. E, por isso, tudo que é novo ou diferente
gera medo ou cobiça, razão pela qual atiça a vontade tirânica de possuir ou
consumir. É que eles não compreendem que o mundo é um interelacionamento, ou
seja, não sabem que possuem alteridade que
demanda uma troca: um caminho inverso do que eles causam ao próximo. Eles são
dominados por impulsos, mesmo sem se preocupar se podem dar conta de eventual
consequência, inclusive quando, pelas circunstâncias fáticas, deveriam
conscientizar a situação.
No
caso do primeiro casal do mundo, o que permitiu o nascimento dos Titãs foi uma
discórdia entre pai e mãe, pois Geia queria dar a luz aos filhos, colocá-los no
mundo; mas Urano não. Ele queria continuar com toda a atenção de sua esposa.
Não aceitava dividir sua esposa com seus filhos. Mas eles clamavam pela atenção
materna, o que causava dores na genitora.
Então,
ante a competitividade entre pai e
filhos cujo campo foi a atenção da mãe, Geia propôs à prole um ataque ao
pai e para isso forjou uma “foice afiada, entalhada como um afiado dente”[24].
No entanto, todos os filhos foram
tomados de medo ante a ideia de enfrentar o pai, até que o filho mais novo, Crono, aceitou. Ele teria
abraçado a incumbência por ser o que estava mais desajeitado na barriga
materna, notadamente o menor e último a ser gerado. Ou talvez por ser aquele
com mais coragem de não ficar inerte ante a opressão. Assim, Crono atacou o pai
vindo a lhe decepar os genitais.
Urano sangrando pela mutilação se afastou de Geia e se tornou o céu, abrindo
espaço para que os titãs nascessem e tomassem o mundo.
Antes,
porém, Urano jogou uma maldição em seus filhos, especialmente em Crono: “O pai
os recriminava por sua arrogância e os acusava pelo terrível ato, prenunciando
o castigo que lhes chegaria um dia.”[25].
O filho mais jovem estava destinado a ser destronado pelo seu filho, conforme
previu Urano.
Pois
bem, adentrando na análise simbólica vale
primeiramente expor a alteridade entre eles. Urano via os filhos como problema,
seja porque eles buscavam atenção da mãe, o que empurrava o pai para o
ostracismo, seja porque eles precisavam de espaço para se desenvolverem e o pai
não compreendia isto, quiçá porque nunca ninguém lhe explicou o que filhos
significam. Nesse ponto, vale relembrar a referência hesiódica antes
transcrita: afiado dente. Como é
sabido, é natural que a mãe perca a vontade de amamentar quando os dentes
começam a aparecer, donde a ideia simbólica do mito é que Geia passou a
reconhecer seus filhos não mais como bebês indefesos. Daí, não mais caberia à
mãe o papel de mera nutridora, mas a partir de então também de intermediária
entre os filhos e a sociedade. Para ilustrar essa transformação: “Os vários rituais de passagem, desde o nascimento
físico do indivíduo, passando pela separação
do seio e as diversas outras transições até a morte, constelam o arquétipo
do herói.”[26].
De
qualquer forma, a mãe tentou, antes de tramar o ato violento, convencer o pai
que os filhos deveriam nascer, mas ele ignorou a vontade dela, o que é
emblemático, pois os filhos foram concebidos com o sêmen do pai, e depois que
eles foram gerados ele não os atendia, queria a mãe como antes, só para ele.
Ela tentou conciliar a vontade dos filhos com a do pai, mas esse só pensou em
si próprio, negando assim seus filhos, frutos da união entre eles.
Ante
a fragmentação explicada no capítulo
anterior é comum ao longo do crescimento da prole a competitividade pela anima/animus,
ou seja, filha concorrendo com mãe pela atenção do pai, ou pai concorrendo com
filho pela atenção da mãe. Tal concorrência é sintoma de ausência de processo de individuação, pois o filho
não está conseguindo desenvolver sua própria
sexualidade. Não é a toa que o filho que castrou Crono era homem, ambos do
mesmo sexo, desta feita concorrentes pela atenção de anima, notadamente a de
Geia.
Aprofundando
a alteridade temos Crono que via o pai como indigno[27]
de sua posição de provedor e por isso se sentiu no direito de atacá-lo,
fortalecido pelo incentivo dado pela mãe. Então fica a dúvida: teria sido Urano
tão intransigente com a vontade dos filhos de participar do mundo? Ou Crono era
um açodado que simplesmente invejava seu pai, notadamente pela atenção que a
mãe dedicava a seu marido? Certo é que atacar o pai não foi uma boa atitude.
Deve-se sempre buscar alternativas para tal ato. Quando se deseja mal ao
próximo se está reflexamente desejando mal a si próprio, principalmente quando
o bode expiatório[28]
é uma pessoa que preenche tanto a alteridade como o pai ou a mãe. Ocorre que
Crono revoltou-se contra o pai e esse se limitou a enunciar uma maldição contra
o filho. O genitor estava ciente de que o
filho padecia do mesmo mal que ele, pois ambos miravam o poder de reinar em
absoluto sobre o mundo. E é natural que uma pessoa com tal ambição venha a ter
filhos e que esses se revoltem contra ela.
Esse
mito aponta um corte entre a
natureza e o homem. Geia e Urano são como índios em uma tribo, no sentido de
estarem totalmente conectados aos
valores externos, o que para o livro Tipos Psicológicos veio a significar a
extroversão. É que o primeiro casal de Deuses assumiu o polo de forças da
natureza, quando Crono se dissociou deles, através do exercício de sua introversão titânica.
Então
vale, para esclarecer essa importante dialética junguiana, a referência: “Outro
paralelo de nosso problema é a oposição encontrada por Nietzsche entre o
apolíneo e o dionisíaco. Interessante é a comparação que usa para entender essa
oposição. Estes opostos estão um para o outro como sonho e embriagues.” [29].
Aqui Jung demonstra que o conceito é caso de tese face antítese, ou
seja, atrações recíprocas por ambos possuírem qualidades respeitáveis, mas
nenhum estar completamente confortável
perante o mundo. O sonho seria, pelo lado positivo, uma poderosa vivência
psíquica dada sua intimidade ao sonhador; e pelo negativo, tendente ao delírio.
Já a embriagues seria, pelo lado positivo, uma afirmação dos próprios
sentimentos; e pelo negativo, um esforço “descarrilhado dos trilhos” de auto esquecimento, ainda que visando
uma superação de si mesmo. E prossegue Jung no mesmo verso: “O apolíneo é,
portanto, segundo a concepção de Nietzsche, um voltar-se para dentro de si
mesmo, a introversão. O dionisíaco ,
ao contrário, é o fluir solto da libido para as coisas. Diz Nietzsche: “Sob o
feitiço do dionisíaco celebra-se novamente não só a aliança entre os homens, mas
também a natureza alienada, hostil e
subjugada celebra sua festa de reconciliação com seu filho perdido, o homem.””.
Ante a leitura percebe-se que mesmo quando o homem formou os primeiros reinados deixando para trás a
organização tribal não ganhou
independência da natureza, tanto que
em relevantes aspectos as forças ligadas a ela assumem a figura de extroversão
dentro dessa dialética teorizada por Jung.
Nesse
sentido: “A própria ciência, quando desencantou a natureza, apenas a subordinou
à razão científica e não proveu a natureza de outra alma.”.[30]
Aliás, se a superação da organização
tribal até a vida moderna tivesse sido empreendida por homens afetos aos
aspectos míticos dos acontecimentos hoje não teríamos que considerar uma classe
específica de supostos protetores da natureza
chamados ambientalistas se opondo
frequentemente a outros setores sociais, porquanto seria intrínseco a todo
homem da cidade o cuidado ambiental.
Prosseguindo,
Urano não se interessa pelo novo ou diferente. Ele acreditava que tudo que
importa ele já conhece e não quer mudar sua rotina. Já Crono, ainda que fosse
um tirano, apresentava um grau diferenciado de introversão, ao menos em
comparação com seu pai. E tal introversão é o motivo do corte entre homem e
natureza. Senão vejamos: Urano, como fenômeno
da natureza, perseguia uma adaptação
ao ambiente, sem maiores reflexões às forças externas a ele; ao passo que Crono
manifestava certo ímpeto pela
diferenciação da natureza, o que acabou por criar a introversão, subjetivando sua existência a de seus
irmãos e formando a classe dos Titãs, sob sua liderança, grupo que não mais era
simples fenômeno da natureza, mas também descendente dela. E, assim passou a
existir a subjetividade em grau
considerável a ponto de construir a dialética junguiana em abordagem.
Não
é a toa que o confronto geracional ocorreu, pois na visão meramente objetiva de
Urano seus filhos somente queriam se aproveitar da mãe. O fato é que houve a
necessidade de corte que foi
materializado pela violência da castração, notadamente pela intolerância recíproca.
2.2 Crono e Zeus
Segundo
Hesíodo narra, a segunda geração dos deuses, os Titãs, foi comandada por Crono,
que tomou sua irmã Reia como esposa[31].
Tiveram quatro filhos que foram todos engolidos pelo pai: “Manteve-se à
espreita, observando atentamente, e engolia cada um de seus filhos logo ao
nascer.”[32]
e “... assim fazendo para impedir que qualquer outro dos altivos filhos de
Urano tivesse a honra de reinar entre os imortais.”[33].
Então,
Reia estava para parir seu quinto filho, Zeus: “Suplicou aos seus pais, Geia e
o estrelado[34]
Urano, que tramassem um ardil que lhe permitisse ocultar o nascimento daquele
filho.”[35].
O plano foi dar a Crono uma pedra ao invés de seu filho e entregá-lo à avó Geia
para criá-lo em uma montanha distante, o que veio a ser feito.
Com
o crescimento de Zeus, sob os cuidados de sua avó, ele tornou-se forte; e sob
sua liderança a terceira geração divina venceu a segunda, os Titãs, na guerra
que travaram pelo domínio do mundo. E, assim findou o violento embate: “Então
com arrebatado ânimo Zeus o arrojou ao profundo Tártaro.”[36].
Dessa maneira, Crono foi destinado a viver “em uma região coberta de mofo úmido, nos confins da terra
prodigiosa.”[37].
Aqui vale lembrar que Tártaro é a
mais inóspita região da terra, e parte integrante de Geia.
Pois
bem, adentrando na análise simbólica,
clara a obsessão de Crono: continuar
reinando onipotente sobre todos. E a maldição era uma ameaça constante a esse
ideal. Outro ponto fundamental é como a relação entre Crono e Zeus é intermediada por Geia: começou a relação
entre eles com ela escondendo seu
neto e terminou com ela aprisionando
seu filho. Simbolicamente, Geia representa todo o território do mundo, donde se
conclui que o verdadeiro objeto ou tema da Teogonia não é o nascimento dos
Deuses, mas sim o parricídio,
principalmente entre Crono e Zeus, nos exatos
termos em que o mundo se resume ao espaço entre os avós Geia e Urano
afastados pela castração e mantidos assim pelo deus Atlas[38].
Então, toda a situação envolve, inconscientemente, cenário familiar.
E,
ainda que Urano estivesse mais ausente do que Geia, dado ela protagonizar as
ações descritas após a castração, eles estavam, para toda a eternidade, conectados como céu e terra; assim formando um
só todo. Aliás, esse todo único é a
exata manifestação de anima vertical
exposta no capítulo anterior, ou seja, a relação de Crono com qualquer dos
pais, jamais era isolada do outro genitor, ainda que o outro genitor estivesse
afastado, pois o genitor presente não desconsidera jamais a energia sexual do
outro, ainda que tal consideração se dê no plano exclusivo inconsciente.
O
caminho para superar isso é através do parricídio
simbólico, a partir do qual o verticalismo cede e a relação entre o filho e
seus pais pode passar a ser como uma afetuosa amizade social.
Outro
ponto que merece realce é a função de intermediação
que a mulher biologicamente possui: nutrição
e ocultação, lembrando que na
gestação a mãe exerce naturalmente essas funções; ao pai sob uma perspectiva e
ao filho com outra, ou seja, nutre o feto pelo umbilical enquanto na ótica do
pai o ventre oculta o filho. Então, dada essas premissas, aos olhos de Crono,
Zeus foi ocultado pela avó, enquanto que para Zeus ele se viu nutrido pela avó.
Aqui podemos visualizar como essa estrada de mão dupla é simbolizada na Teogonia, ou seja, para a percepção de
um homem a atuação feminina é nutrição e para o outro é uma ocultação. Essa dupla face nutrição/ocultação é uma
marca do verticalismo, pois quando a mulher está contribuindo com essas
características é porque há questões de
autoridade inconscientes, mas aptas a eclodir entre aqueles que se veem
ocultos/nutridos. Por óbvio, durante a gestação ou amamentação essas funções
são bem vindas, mas seu prolongamento à fase adulta sugere desenvolvimento
edipiano.
Aprofundando
a alteridade, na visão de Zeus ele
se viu compelido a destronar o pai. As duas intermediárias entre eles, a avó e
a mãe, sinalizavam o combate. Pela ótica da avó, ela sentia falta do marido,
saudade demonstrada pelo simbolismo
de que céu e terra só se tocam muito rapidamente no amanhecer ou no pôr do sol.
Já pela ótica da mãe ela sofria pela falta dos filhos engolidos, ao mesmo tempo
em que intuía eles reclamando, ante a obsessão paterna pela dominação.
Já
no que tange a visão de Crono em relação a Zeus, o pai demonstra certa abertura
ao diferente, mas incorrendo no equívoco de temer aquilo que não conhece, o que
demanda o ato de tão logo perceber o novel já ir ao sentido de apropriação
dessa energia, sem qualquer análise
consciente sobre ela.
Portanto,
Zeus apresentava um nível de introversão face extroversão bastante ampliado
ante seu pai. Tal expansão marca o salto evolucional de sua geração, porquanto
ele se diferenciava em relação a seu
pai, na medida em que seus opostos psíquicos eram mais lapidados. O fato de
Crono engolir os filhos exterioriza
a pretensão dele em domar a energia psíquica avançada da prole. Aqui vale
pontuar diferenças entre os métodos de filicídio:
Urano sequer queria tomar conhecimento da energia psíquica do filho, o que era
simbolizado pelo impedimento ao nascimento. Tal comportamento explicita sua
rigidez qualificada pelo fechamento ao diferente. Já o filicídio da geração
seguinte simboliza que Crono já
apresentava abertura ao processo
evolucional psíquico, na medida em que visava apropriação da energia dos
filhos. O primeiro negava os filhos enquanto entes autônomos, enquanto que o
segundo queria absorver a energia deles.
Em
suma, entre a primeira e segunda gerações, o parricídio representa o corte que abriu espaço para a
introversão, através do descolamento do homem perante a força motriz una da natureza. Já entre a segunda e terceira
gerações o corte tem uma dupla
função: tentar restabelecer a harmonia entre homem e natureza que foi quebrada
pela geração titânica, o que se manifesta, simbolicamente, pela boa relação de
Zeus com Geia; e, também, a função de por fim a obsessão pelo filicídio. Nesse sentido: “O movimento de devoramento
filicida, típico da tradição cultural falocêntrica,
tem, entretanto, um fim.”[39].
O autor prossegue concluindo no parágrafo seguinte: “a atitude de devoramento
competitivo típico do padrão patrilineal cessa, e um equilíbrio reina entre os
olímpicos...”.
Questão
relevante é compreender se a geração de Zeus representaria o estágio final de
evolução humana, notadamente por que seria parâmetro de homem em individuação?
É que a geração olímpica inaugurou um novo modelo de disciplina, o da negociação, lembrando que a guerra
travada entre Crono e Zeus foi precedida de uma investida de convencimento
empreendida pelo filho que culminou por conquistar além de sua geração também
integrantes de gerações mais antigas.
A
negociação começou antes da guerra e, depois da vitória Zeus continuou com essa
qualidade de negociador, pois ainda que fosse o “grande pai” do Olimpo, por
várias vezes negociava em favor de outros deuses ou mortais. Aliás, é próprio
do líder de clã a função de agregador, conciliando os interesses de seus
familiares de forma a manter o grupo forte e unido.
Mas,
a indagação fundamental é se esse poder de negociação
seria suficiente ao processo de
individuação ou não, ou seja, se o estilo de vida de Zeus estava conduzindo
o líder da terceira geração a sua evolução como ser ou não?
Ele
era um ditador, se auto intitulando dono do Olimpo e sem contestação nesse
sentido. Então, pelo simples fato do governo onipresente a alteridade saudável é afastada, pois agia como um líder de clã, não
só perante seu próprio clã, mas sim perante todos os outros clãs, como se a sua
família tivesse valores predominantes face qualquer outra, de maneira que sua
evolução se estagnou. Aliás, é até difícil conceber outro clã, pois sua atuação social praticamente excluía tal
possibilidade.
Ocorre
que não há movimento de individuação ou elã
vital[40]
para quem se fecha para o outro e passa a acreditar que seus valores familiares
são supremos. Portanto, Zeus simboliza
características de líder familiar. Mas, nos dias de hoje, alguém com tal
comportamento precisaria de ajuda
pública a sustentar os vínculos que mantinha, seja com deuses ou mortais. Isto
porque o pai do olimpo não alcançou a liberdade do parricídio simbólico tanto que suas relações foram pautadas pelo
verticalismo: seja como pai do Olimpo, em que sua autoridade preponderava sobre
seus irmãos ou demais deuses; seja na
dualidade deus face homem, em que resta meridiano que ele agia em plano de
prepotência como autoridade superpoderosa numa opressão constante e tão cega
que nunca foi questionada pelos homens mortais.
Hoje
em dia essa vivência só prosperaria se Zeus fosse um político autoritário ou
dono de uma empresa com regras imperativas, seja para agir como deus perante
mortais, marca de verticalismo; seja para garantir que as atitudes familiares extravagantes não fossem rejeitadas por uma
sociedade consciente.
Como
se sabe, no Brasil é comum se confundir o público com o privado, como quando o
administrador público ou empresário acolhe uma secretária como amante, e ela, a
partir daí, fica com benesses em relação aos outros funcionários. O simbolismo
mitológico de Zeus trazido para o Brasil de hoje redunda nisso. E, o pior: se
essa quebra de impessoalidade
profissional se limitasse a revoltar funcionários de tais empresas e a
conduzissem a falência estaria bom. Ocorre que é comum tais personagens no
serviço público beneficiando ilicitamente não só amantes mas simples amizades
em detrimento das regras legais de isonomia. E, como o poder público não vai a
falência, então essa situação se eterniza tornando o Brasil um antro de corrupção, enriquecendo egoisticamente uns poucos que detém
poder governamental ou seus companheiros privados que com eles contratam, ao
arrepio da coletividade. A solução para isso é a superação mitológica do modelo olímpico para outro em que não haja
a confusão da vida pessoal com a profissional em prejuízo da dinâmica funcional
dos organismos empresariais ou governamentais.
Em
sentido oposto: “Dentro de uma leitura arquetípica, chamaríamos Atená de uma figura de Anima, a Anima
de Zeus. A Anima, a feminilidade inconsciente do homem, preside seu processo de
individuação.”[41].
E, na página seguinte prossegue: “Assim a consciência pode evoluir das trevas
iniciais para a luz, do Cáos a Zeus,
do teratomorfismo ao antropomorfismo (Junito Brandão).”. Ao que se extrai das
transcrições, o autor Boechat entende que Zeus teria alcançado o arquétipo da alteridade[42].
Já
Campbell faz uma leitura diferenciada de Zeus. O autor compara o olímpico a
outros Deuses supremos para obter duas conclusões que se interelacionam: eles simbolizam a imagem paterna; e eles
seriam perfeitos dentro da cultura
que os criou. Vejamos: “O mistério do pai aparentemente autocontraditório é
vivamente narrado na figura de uma grande divindade do Peru pré-histórico,
chamado Viraconcha.”[43].
E no mesmo parágrafo pontua: “Viraconcha é o Deus Universal, o criador de todas as coisas...”. No parágrafo seguinte,
ele aponta como característica típica desses personagens exemplares o domínio
de raios:
“Ademais sua síntese entre o
deus-sol e o deus-trovão é familiar. Conhecemo-la através da mitologia hebraica
de Jeová, no qual as características de dois deuses se acham unidas (Jeová, um
deus-trovão, e El, um deus solar); ela é evidente na personificação Navajo dos
Guerreiros Gêmeos; é patente do caráter
de Zeus, assim como no raio e no
halo presentes em certas formas de Buda.”.
Após,
Campbell sugere que o raio pode
tanto simbolizar a luz que leva
consciência ou o poder de integrar
opostos. Para o autor americano, portanto, é natural que cada cultura
desenvolva uma personificação mitológica que seria perfeita aos olhos do seu
povo. Zeus seria essa referência aos olhos dos gregos antigos, o que não
significa dizer que ele refletiria características individuadas aos padrões junguianos. Aliás, ser individuado
quiçá jamais será conhecido, dada a individuação ser um processo cujo fim pode
vir a coincidir com o término do mundo, pois se a realidade é composta de
tempo-espaço então um observador
individuado, logo além de qualquer processo no sentido de movimento, estaria
além desses limites físicos. Enfim, para Campbell é natural que uma sociedade
construa um mito que reúna as qualidades que seu povo considera dignas de
apreciação, tudo isso em benefício de uma coletividade
com valores próprios.
Sociedade
com valores próprios é o máximo que uma coletividade pode almejar alcançar. E
nesse ponto a Grécia antiga é um fantástico exemplo de estudo mitológico. Mas o
Brasil de hoje não é mais o modelo que demandou Zeus como exemplo de homem,
pelo que cabe ao brasileiro gratidão a um povo tão brilhante quanto ao grego,
por ter demonstrado, em seu apogeu mitológico, coesão como grupo e harmonia ante sua vibrante
diversidade.
No
entanto, aos brasileiros cabe não copiar o que os gregos disseram, mas sim copiar
o que eles fizeram: criar valores próprios. O Brasil apresenta
todas as facilidades para se transformar no raio simbólico do mundo globalizado: reunimos pacificamente etnias
de todo o planeta; não apresentamos segregações ou castas de nenhuma natureza;
possuímos unidade linguística; e nossa cultura
é uma fumegante mistura de todas as demais do globo.
2.3 Anakim Skywalker – O Filho sem Pai
e seu Destino
Narra
a saga Star Wars que em uma galáxia
muito distante nasceu uma criança que foi criada somente pela mãe, uma escrava.
Ele cresceu em um planeta fora do circuito
oficial da República. Lá não chegava a autoridade do Senado intergaláctico,
nem seu dinheiro era válido.
Pois
bem, sua infância já diz muito sobre ele. Criado só pela mãe, com todo o
carinho de uma senhora atenciosa não se viu limitado pelo verticalismo paterno,
daí ter se tornado uma pessoa voltada para as questões tendentes ao universal,
característica típica de um Jedi. Aliás, a ideia religiosa em Jesus não ter pai humano é a mesma: tornar um ser
totalmente voltado aos pensamentos mais universais. Isso porque sem a figura de
autoridade patriarcal introjetando
valores particularizados no filho, ele tenderá a se envolver com as questões
universais, seja para lutar por mudanças visando uma sociedade melhor, ou, pelo
lado outro, para se entregar a alguma via de perdição social como crime ou
algum submundo social.
O
fato de a mãe ser uma escrava
demonstra que a visão de mundo do filho inclinava à absoluta insatisfação com a
ordem vigente, pois a moral do escravo
é a de não aceitação do funcionamento da sociedade, por isso ele se coloca em
uma posição de submissão, para não ter que participar de uma realidade que considera
péssima. Tal característica, no caso de uma criança com grandes iniciativas e
inteligência como Anakim fez com que, tão logo começasse a interagir com outra
realidade distinta da familiar, fosse se aventurar em uma jornada heroica.
Quanto
à infância em um planeta alheio ao sistema oficial simboliza imprevisibilidade dele aos cidadãos de lá. Não é a toa
que os Jedis sempre o viram com desconfiança, pois não conseguiam reconhecê-lo
ou decifrá-lo totalmente. Esse potencial
ainda não revelado é um poderoso sintoma porquanto pode conduzir a feitos
magníficos, mas também pode levar às ruínas. A mitopoese dessa indefinição
expressa que o ser possuidor desse dom é capaz de enganar a morte, ao menos aos olhos de quem lhe atribui a dúvida
sobre o potencial ainda não amadurecido. E uma pessoa que se mostra com uma
versatilidade tamanha a ponto de fazer esquecer que a morte existe é dono do
poder de conquistar as pessoas. O grande mérito de uma estória mitológica é
tornar simbolicamente claro o que não está perceptível no cotidiano. E, a arte
que a saga utilizou para ilustrar o relacionamento que cada um tem com a morte
gerou a profecia de que o predestinado traria equilíbrio à força. Anakim,
quando encarna a projeção desse predestinado está causando nos Jedis sensação de eternidade. Ocorre que inebriados com tal sentir não se deram
conta que o herói a cada dia se aproximava do poder que eles mais temiam. O
conselho Jedi não percebeu a aproximação do personagem heroico com o lado
negro, pois os conselheiros não o
respeitavam como indivíduo, mas sim o que ele podia dar para o complexo em que estavam: a manutenção
do poder Jedi ante qualquer ameaça Sith.
Aqui
vale uma pausa para explicar um importante conceito junguiano, qual seja, o complexo. Esse conceito explica como é
o relacionamento do indivíduo com uma coletividade específica, senão vejamos:
“Eles mostram ao indivíduo os problemas não resolvidos, o lugar onde sofrem, ao
menos provisoriamente, uma derrota, onde existe algo que ele não pode esquecer
ou superar, enfim o ponto fraco, no
mais amplo sentido da palavra.”[44].
O
complexo é o cenário que reúne as
condições subjetivas e objetivas em que o indivíduo está inserido. Quanto ao
elemento subjetivo é o conjunto das vontades das pessoas que participam, e o
principal elemento objetivo é a finalidade do complexo. A relevante utilidade
do complexo para fins simbólicos é situar
o indivíduo com relação a seus próprios objetivos. Por exemplo, a vivência
em um clube é um complexo. Se o indivíduo estiver alinhado com os propósitos
dessa associação é um bom sinal. Mas, comumente a vontade dos participantes é
consideravelmente incompatível com a proposta da entidade, então, nesse
ambiente, aquele que estiver bem intencionado com os aspectos objetivos pode
estar em conflito com os elementos subjetivos. Aliás, a própria finalidade pode
ser alterada pela vontade dos participantes. De qualquer forma, o importante ao
indivíduo é que ele esteja consciente para com esses elementos; e o caminho
para isso é transparência nas relações
entre os participantes, e franqueza no trato das questões objetivas, pois
quando não há esse respeito tende a eclodir algum conflito em prejuízo de
todos.
Se
Anakim não tivesse escondido seu
relacionamento amoroso da ordem provavelmente a galáxia não teria encontrado as
trevas apresentadas pelo governo do lado negro. Vale continuar com o texto
transcrito: “Surge obviamente do choque entre uma necessidade de adaptação e a constituição especial e inadequada do
indivíduo para suprir essa necessidade. Visto assim, o complexo é um sintoma valioso para diagnosticar uma disposição
individual.”. A ordem Jedi é um fantástico exemplo
simbólico de complexo, notadamente por ser uma entidade central para a
sociedade, sendo referência de valores elevados
para todos, ao menos durante o período de existência da república galáctica,
época da última trilogia divulgada.
Prosseguindo,
uma criança superpoderosa criada em um planeta não filiado à República simboliza um poder incontrolável para
os parâmetros dessa sociedade. Não é a toa que, quando o Qui-Gon mediu[45] o
sangue do Anakim e descobriu que seria a maior medição já registrada, disse ao seu
pupilo Kenobi que, se ele tivesse nascido sob as leis da República, já teria
sido identificado. Esse é o
paradoxo: Anakim era poderoso demais para aquela sociedade. Estava selado o
destino do jovem: Ele jamais teria uma relação de afeto inequívoco com a ordem
Jedi. Haveria sempre uma desconfiança recíproca, pois na visão do jovem ele se
sentia oprimido pela moral que eles
objetivavam na república; já na visão dos conselheiros da ordem, ele era
imprevisível, pois ambicionava mais do que a entidade poderia dar.
Anakim
estava destinado a ter que decidir entre obedecer a moral dos Jedis ou não, e caso optasse por não obedecê-la, teria
que optar entre atacá-la ou alcançar um nível de superação que o tornasse
indiferente a ela. Quanto a primeira decisão, ele afrontou a moral Jedi tão
logo tornou-se adolescente: enamorou-se, e também procurou sua mãe, ao arrepio do
código Jedi que proíbe relacionamentos afetivos do tipo sexual ou familiar, supostamente para garantir
independência em favor da atenção
exclusiva às questões da República.
Quanto
à segunda decisão, aqui vale uma análise mais detida dada sua profundidade.
Enquanto Anakim corrompia-se perante
o código devido ao seu casamento com Padmé, ele projetava no presidente do Senado, Sidious, sua
aspiração pela independência da ordem. Até que a situação chegou a um limite de
intolerância entre esses vínculos afetivos no momento em que mestre Windu, o
mais hábil Jedi, tentou matar o presidente por ter descoberto que ele seria um
Sith, seu principal inimigo. Aí, Anakim defendeu o Sith vindo a atacar o Jedi
e, ato contínuo, pactuou com o presidente sua submissão a ele, para juntos tomarem a República como império.
O
grande perigo da corrupção é esse:
um dia a fatura é cobrada. Pois vejamos: Enquanto Anakim escondia dos Jedis sua
atitude indevida ante o código, ele projetava a frustação causada pela mentira
em outro símbolo forte: Sidious. Então, quando o choque entre Jedis e Sith
ocorreu, ele optou por ficar com aquele que lhe dava mais atenção, vindo a se
tornar Vader.
Simbolicamente o personagem Vader
significa a estagnação que o personagem Anakim assimilou por passar a defender valores que não são dele,
notadamente abrindo mão de sua vida pessoal, como ter que ocultar o casamento,
em favor de algo que ele acreditou maior: a administração pública. Mas, a
verdadeira indagação é porque ele acreditou maior a administração pública do que sua vida pessoal? Uma das razões era
justamente não administrar
satisfatoriamente a própria vida, fraqueza manifesta no medo de perder a
atenção da esposa por ter que dividi-la com os filhos prestes a nascer. Isto
fica claro quando ele cala a mulher dizendo que a salvará da morte no parto,
demonstrando em uma leitura cuidadosa, com tal frase, o desejo de que os filhos
não tivessem autonomia de vida além da dele, ou seja, uma forma indireta de
continuar monopolizando a atenção de Padmé.
Aqui
digno de registro como tanto a Teogonia quanto Star Wars são, em sua essência, contos sobre relacionamento
entre pais e filhos, valendo citar que a redenção do personagem Vader
somente ocorreu quando protegeu seu filho do imperador no final do episódio VI,
ou seja, ele só se libertou do seu purgatório como Sith no momento em que teve
em si o ímpeto de pai. Cabe contemplar que a ida do herói ao lado negro se deu
no momento do nascimento do filho, bem como o desligamento dessa máscara ocorreu quando Vader se sentiu
pai pela primeira vez.
Voltando
a dialética junguiana, um certeiro método didático[46]
para compreensão do comportamento humano utilizado simbolicamente pela saga
está na concentração dos principais aspectos da introversão na ordem Jedi, e da
extroversão na dupla[47]
Sith. Quanto à ordem, Anakim
respeitava os valores de honestidade e transparência que a instituição
defendia, até que o conselho lhe pediu que agisse contra esses preceitos,
investigando o presidente do Senado, e o mandando fazer fora dos registros
oficiais da entidade; e ainda abusando da amizade entre eles, pois Anakim teria
que aproveitar da confiança do amigo
para investigá-lo. Como se vê, na prática o preço para ser um Jedi era
altíssimo, devoção total.
Quanto aos Siths, deixavam claro que só
o status lhes interessavam, postura mais evoluída que a dos Jedis que também se
preocupavam com suas posições sociais, mas negavam isto. Lado outro, os Siths
não tinham qualquer limite, notadamente consumindo o que lhes causava atração.
Então, Anakim encontrou nos Jedis sua ligação subjetiva com as pessoas, e no
imperador sua ambição pelo poder, fechando assim a linha de opostos introversão face extroversão.
Ocorre
que não existem pessoas indiferentes à administração pública, nem administração
pública sem pessoas. Não há como conceber uma sociedade sem administração. Aliás,
o problema não é a existência do administrador, mas sim a má qualidade dele. É
que o mais evoluído modelo de sociedade seria aquela em que o administrador tem
plena consciência de que seu poder, no exercício da função, não pode servir em benefício específico de si, pois aqui
teríamos a melhor dinâmica possível
a permear a coletividade já que dentro da movimentação
pública a alteridade não estaria
travada por nenhuma repressão originada no psiquismo do administrador.
Aí
a razão pela qual os Jedis precisarem dos Siths como referência e vice-versa,
notadamente porque ambos necessitavam
particularizar a alteridade em benefício
próprio, sem o que os Jedis não receberiam o status de principais defensores da república, enquanto que
os Sith não poderiam tomar a administração pública para si. Portanto, quanto
mais Anakim se dividia entre eles, mais perdido na moral de ambos se encontrava. Como diria Jung, ele não foi capaz de
integrar sua sombra[48].
Ele deveria ter compreendido suas duas referências, Jedis e Siths, e, então,
percorrido seus próprios caminhos ao invés de criticá-los, notadamente por não
superar a moral que ambos abraçavam. Em uma análise sistêmica, a mensagem de
fundo da saga, no campo político, é que nem república ou ditadura são modelos
de governo perfeitos.
Interessante
ressaltar que o herói criticou contundentemente seu mestre Kenobi por várias
vezes, principalmente em conversas com sua esposa. E, quando passou ao lado do
imperador passou a criticar esse, inicialmente a sua esposa e depois a seu
filho. Pontuo que enquanto submisso à ordem jedi, criticava seu mestre Kenobi e
depois submisso ao império criticava seu mestre Sidious, donde se conclui que o
problema era a autoridade moral de seus “chefes”, pouca diferença fazendo se
seriam da instituição introvertida ou da liderança extrovertida, pois ambos se
submetiam a uma visão filosófica paralela.
Por
tudo isto, é cabível afirmar que o herói trocou uma vida feliz ao lado de uma
bela e atenciosa esposa, por uma vida robótica de opressão. E isso se deu não
pelas híbris em que caiu, mas sim por
não confiar em si e,
consequentemente, acreditar que precisava de algum motor externo a ele que resolvesse suas carências.
É
comum, em uma leitura açodada, presumir que certas condutas levam a vitórias ou
derrotas. Ocorre que no mundo real
não é assim que funciona. Então, vale tecer maiores comentários sobre hibris[49].
É um excesso ou avanço que o herói empreende e, assim, desloca seu eixo visão.
É um sinal de mudança. No caso de Star
Wars, posso citar dois exemplos em que Anakim caiu em híbris e foi punido por isso, uma vez com sequelas para a
consciência outra vez com sequelas físicas. Ele matou toda a tribo que prendeu
sua mãe, inclusive crianças; mas depois teve crises de consciência e desabalou com sua mulher, a qual o
compreendeu, e depois, com o presidente, o qual utilizou essa informação para
auxiliar a manipulação dele no caminho da vingança,
sentimento típico de um Sith. No outro caso ele teve o braço decepado ao final
da luta quando partiu impiedosamente contra Dookan, ao reclame de seu mestre.
Mas, em mitologia grega, há casos de
híbris que não causaram danos ao herói, pelo contrário lhe garantiu
proveitos.
Em
Star Wars a híbris traz consequências
ruins porque se o herói está inserido em um contexto que demanda o controle do
mestre, como a ordem Jedi, ele pode até desconsiderar o que seu tutor diz, mas
para isto deve também estar além da influência da instituição que participam.
No caso de Anakim ele nunca respeitou inequivocamente seu mestre, mas nunca
pensou em ir além do alcance da
ordem Jedi, e, ainda, sempre cobiçando o título
de mestre, como se esse status fosse lhe garantir a independência que
sonhava. De qualquer forma, atos agressivos, sob o ponto de vista junguiano não
parecem se sustentar em nenhum caso.
Prosseguindo
na análise, a disputa de poder entre Jedi e Sith, que se tornou o cotidiano de
Anakim, simboliza que o herói
entregou sua vida sexual a eles, inicialmente pelo voto de castidade dado a
ordem Jedi e depois com a promessa de
eternidade que acreditou o lado negro daria a sua esposa, feita pelo
presidente do Senado para salvá-la de supostos infortúnios cenalizados em pesadelos. Como se vê, o caminho pela autodestruição
teve vários elementos de combustão, como não
separação entre vida pessoal e profissional, medo da morte e dificuldade de
respeitar as escolhas de seu par sexual, Padmé.
Outro
ponto teórico que merece abordagem é rito
de passagem. Vale diferenciar que pode ser definido sob duas formas, quais
sejam, em ritual fechado ou como
verdadeiro instrumento de transformação
e superação psicológica. No ritual fechado teríamos, como exemplo, uma
formatura ou um casamento. Nos povos
tribais tais rituais eram mais demorados e complexos que na cidade
contemporânea, valendo transcrever: “Em cerimônias de nascimento e de morte, os
efeitos significativos são, na verdade, os que compõem a experiência dos pais e
parentes. Todos os rituais de passagem pretendem atingir, não apenas o
candidato, mas também todos os membros do seu círculo”[50].
Então, nesses casos não há uma consistente evolução psicológica. Trata-se de
uma mudança no estilo de vida, como afirma a descrição, a qual é
pré-estabelecida pelos costumes e que não é capaz de integrar opostos inatos no
inconsciente.
Já
no caso de profunda transformação da
psique podemos citar a jornada de Perseu[51],
ou o herói em abordagem, Anakim, caso, ao final do episódio III, tivesse
integrado seus opostos, ao invés de se alienar ao complexo deles, como ocorreu. Aqui não há qualquer roteiro social que garanta segurança
para as cerimônias porque é empreendido um intenso mergulho no inconsciente
onde os vínculos afetivos do herói são contundentemente questionados. Daí,
muitas pessoas ficarem prostradas pelo meio do caminho passando então a
demonizar alguém ou alguma entidade como causadora de sua prostração. Mas, pelo
outro lado, caso a passagem seja bem sucedida alcança-se novel nível de
consciência, mais amplo e colorido do
que o anterior. No caso do personagem Anakim os anos da guerra dos clones teriam sido esse mergulho no inconsciente que
alcançou seu momento de decisão definitiva quando ele se juntou ao Sith
Sidious. Ou seja, sua jornada não foi concluída, pois o herói não foi capaz de compreender
que ele tinha opção entre o sistema
polarizado, Jedis face Siths, em que estava, ou abraçar uma vida afetiva
que ele esboçava com sua esposa.
Tanto que sua esposa Padmé, na qualidade de anima, lhe rogou, mesmo após sua
rendição ao Sith, que eles fugissem e deixassem tudo para trás. Mas, ele já
estava cego em sua decisão de assumir, a qualquer custo, o poder na galáxia com
a finalidade de criar seus filhos totalmente submissos mediante o contexto de
ditadura que justificasse a onipotência
do chefe de família, o que não foi aceito por sua esposa. E, é claro, veio
a pagar o preço por tamanho desejo por apropriação, Darth Vader que o diga.
Em
suma, o rito de passagem para ser efetivamente funcional e, com isso, integrar
opostos, notadamente a sombra do
observador, deve ser trilhado pelo herói fora de trilhos convencionados
socialmente. Tal desmedida ou híbris
é o que faz do herói o verdadeiro transformador
de si, para através deste poder levar benefícios a toda a sociedade, e
consequentemente a si próprio, por estar vivendo em um mundo melhor.
Como
é corrente em estudos junguianos, a sombra é o oposto do observador dentro do complexo que eles participam: “... em
Nietzsche, Zaratrusta descobre sua sombra no “mais feio dos homens””.[52].
A integração da sombra é justamente o que distingue o rito de passagem com capacidade transformadora da simples
cerimônia.
Por
fim, ilustro outro ponto crucial da sociedade contemporânea trazida como pano
de fundo em Star Wars e que está
intimamente ligada à alteridade do
homem moderno: a alta tecnologia. No livro Moitará
1, os vários junguianos que escreveram seus textos são unânimes em afirmar
que o estágio tecnológico de uma sociedade não é sinal, por si só, do grau de
evolução psicológica dos seus integrantes. Para tanto é mais significativo o
grau de profundidade dos rituais desenvolvidos, ou seja, o que o homem faz com seu corpo é mais importante do que a tecnologia
pode oferecer ao corpo humano. A alteridade por detrás é clara: alta
tecnologia não preenche de forma satisfatória as carências da psique humana.
Esse assunto é travado no filme em vários aspectos, mas o principal é como o
personagem Anakim foi incorporado pelo homem-máquina Darth Vader. Aqui a
metáfora é que o homem que não desenvolve seu próprio corpo em favor da
diferenciação como criatura poderá ter sua alteridade
preenchida pela tecnologia, sob o preço de se submeter às forças coletivas, que no filme foram representadas pelo império que
Vader veio a servir.
Em
suma, a tecnologia não passa de um instrumento a servir o homem, jamais para
substituir sua intuição, no sentido
bergsoniano do conceito: “Procuremos ver, não mais com os olhos apenas da
inteligência, que só apreende o todo feito e que olha de fora, mas como o espírito, ou seja, essa faculdade de ver
que é imanente à faculdade de agir e que jorra, de certo modo, da torção do
querer sobre si mesmo.” [53].
Para Bergson, a inteligência sempre
está em busca de razão ou coerência sendo, por isso limitada, pois não alcança
o dinamismo do mundo, motivo pelo qual é indigna
de confiança. E, o máximo que a tecnologia alcança é esse limite. Já para
agir com intuição, ou como ele diz
com o espírito presente, há de se aceitar que o observador é responsável pelos
seus atos, o que só é viável quando nada é divinificado,
a não ser a própria capacidade do observador.
Capítulo
3 - Individuação
e Parricídio
Individuação é a
ideia central da psicologia junguiana. Jung acreditou que a vida é um processo
com início e fim onde a duração entre esses extremos é o momento em que se tem
a consciência dos acontecimentos.
Então, nesse processo cabe ao homem se diferenciar como indivíduo:
A
individuação, em geral, é o processo de formação e particularização do ser
individual e, em especial, é o desenvolvimento do indivíduo psicológico como
ser distinto do conjunto, da
psicologia coletiva. É, portanto, um processo de diferenciação que objetiva o desenvolvimento da personalidade
individual. (Jung. Tipos Psicológicos. Página 467).
Uma
vez que o indivíduo não é um ser único, mas pressupõe também um relacionamento
coletivo para sua existência, também o processo
de individuação não leva ao isolamento, mas a um relacionamento coletivo
mais intenso e mais abrangente. (Jung. Tipos Psicológicos, Página 468).
Como
se diferenciar sem se isolar? Pois se a sociedade prescinde de segurança, a
qual demanda uma constância nas aparências, então não estamos diante de um paradoxo? Sim, estamos. E para
concebermos a vida sob a ótica desse processo psicológico devemos nos ater aos
ensinamentos de Bergson sobre intervalo[54]:
“... a força interior que permite ao
ser libertar-se do ritmo de escoamento das coisas, reter cada vez melhor o
passado para influenciar cada vez mais profundamente o porvir.”[55].
Neste
peculiar Bergson e Nietzsche tem citações parecidas: “Esquecer não é uma simples
vis inertiae (força inercial), como creem os superficiais, mas uma força inibidora ativa, positiva no mais
rigoroso sentido, graças à qual o que é por nós experimentado, vivenciado, em nós acolhido, não penetra mais em
nossa consciência.”[56].
Vejamos
as equivalências entre os textos: para ter vez a força inibidora ativa imprescindível a plena retenção do passado no
sentido Bergsoniano de memória perfeitamente constituída no indivíduo. Para Bergson,
se o homem não for capaz de conceber os acontecimentos como eles se deram,
então essa memória será imprecisa, o
que limitará o porvir.
Friso
que memória precisa abrange não só
lembrar dentro da concepção leiga, por exemplo, não se filiar a acontecimentos,
teses, pelo grau de consideração com os protagonistas, notadamente suas visões
verticais como é comum em partidos políticos. Concretamente falando, as guerras
são o ápice dessa alienação, e recentemente vivemos um paradigma de conflito em
que as tese e antítese mostraram-se
muito aparentes, praticamente didáticas: a guerra fria quando, no planeta, as
pessoas alienaram sua capacidade de lembrar
suas individualidades em favor da dualidade capitalismo face socialismo. Nesse
período bélico, ante a dualidade, ficou evidente como as pessoas perderam a
capacidade de refletir sobre suas
atitudes, pelo que vale tecer explicações sobre o alcance do estado reflexivo: “Jung tece estas
correspondências nos lembrando que a
reflexão é, seguindo a etimologia, um reflexio,
um inclinar-se para trás. O reflexio e
a criatividade são pois duas atividades instintivas básicas do ser.”[57].
Acertado o autor Boechat quando visiona reflexão
e criatividade como paralelas, pois
são atividades que só funcionam adequadamente quando consciência e inconsciência estão fluindo dinamicamente na mente do
observador. De fato, inclinar para trás, como sugere Jung, implica numa superação, sem a qual a visão
panorâmica do que ficou para trás não é nítida, pelo que é cabível vislumbrar
que reflexão e criatividade são duas faces da mesma moeda, já que evolução é a soma do desgarramento daquilo que ficou superado
(reflexão) com a capacidade de dinamizar o estado novel (criatividade).
Tal
entendimento confirma a possibilidade de um processo vital, conforme preleciona Jung quando se refere à
individuação. Isto porque a vida, em individuação, seria uma constante evolução. Claro é que ninguém
explica porque não nascemos evoluídos? Ou porque ninguém é perfeito? Tais
perguntas ainda que dotadas de total sensatez não tornam ninguém mais evoluído
ou perfeito pelo simples fato de ser capaz de formulá-las.
Então,
o processo de individuação é a
doutrina ou método teórico-instrumental a conduzir esta jornada. E, a principal
ferramenta nesse caminho é o estudo dos mitos, pois “O mundo simbólico da mitologia pode ser visto
como um espelho de nossa própria paisagem interior.”[58].
Ou na mesma linha:
Os
arquétipos a serem descobertos e
assimilados são precisamente aqueles que inspiraram, nos anais da cultura
humana, as imagens básicas dos rituais, da mitologia e das visões. Esses “seres
eternos do sonho” não devem ser confundidos com as figuras simbólicas,
modificadas individualmente, que surgem num pesadelo ou na insanidade mental do
indivíduo ainda atormentado. O sonho é o
mito personalizado e o mito é o
sonho despersonalizado; o mito e o sonho simbolizam, da mesma maneira geral, a dinâmica da psique. Mas, nos
sonhos, as formas são destorcidas pelos problemas particulares do sonhador, ao
passo que, nos mitos, os problemas e soluções apresentados são válidos
diretamente para toda a humanidade.”. (Campbell. O herói de Mil Faces. Página 27).
Prosseguindo,
vale esclarecer o significado simbólico
do parricídio. Pois bem, ainda que não seja possível explicar coerentemente a
criação do mundo, é possível explicar coerentemente como o homem veio ao mundo:
fruto do sexo e geração intrauterina. E ainda que a modernidade traga outras
formas de concepção/geração, elas serão explicáveis à criança. Dessa maneira, a
criança tem uma origem o que
determina seus afetos com pai, mãe e que servirá como padrão para os afetos que
estabelecer ao longo da vida.
Então,
a criança enquanto ser dependente tem sua alteridade
composta desta herança de mundo que lhe foi apresentado através de seus
pais. Daí, para a criança conquistar sua independência precisará se posicionar nesse ambiente e isso
explica porque a mitologia é tão
rica em estórias de ataques entre pais e filhos ou, em geral, entre mestres e
aprendizes. É que para quem chegou por último pode não enxergar alternativa
para se impor no mundo além de atacar quem já estava antes dele.
Em
suma, o homem é concebido e gerado por outros homens o que gera uma relação
vertical. Tal desproporcionalidade de forças, criador face criatura, permanece
na memória do filho inclusive após o término da gestação seguida dos cuidados
infantis; e a única superação para ela é o parricídio
simbólico. Enquanto o filho não for capaz de empreender sucesso nesse
caminho ficará refém de sua memória confusa com a dos pais, ou seja, o filho só
será senhor de seu próprio reino quando souber distinguir entre sua memória e a dos pais, ou ao menos tiver plena
consciência de eventual compartilhamento de visões, ou seja, ainda que pensem o
mesmo sobre determinado assunto podem estar todos tendo uma percepção limitada.
Ocorre
que se deve ter o cuidado de não dissociação das origens, ou seja, mesmo o
filho tendo que se afastar emocionalmente dos pais, mediante o rito de passagem, não lhe é cabível uma
ruptura maior que a necessária, sob pena do filho se identificar com algum
complexo familiar que não lhe é próprio e com isso ficar eternamente perdido de seu eixo
de força. O filho deve prosseguir em sua jornada mesmo vendo os pais
abalados, mas não deve, jamais, projetar neles culpa ou responsabilidade por
infortúnios que estejam ocorrendo nesse processo. Então, é provável que os pais
não apoiem o filho, mas é imensurável o que farão nesse sentido, como por
exemplo, se meterem onde não são chamados, ou pretenderem influenciar questões
que somente deveriam respeitar. Não custa lembrar que o salto para a individuação implica no achatamento do verticalismo e
esse desafio demanda perseverança, pois nas trilhas que se deve percorrer são
encontrados obstáculos.
Tais
obstáculos são a pura fabricação de imagem do inconsciente. E, a grande
dificuldade do rito de passagem é
não saber em quem confiar, porque há pessoas que querem frear para a própria
proteção de um suposto herói em cega hibris;
e outras que querem frear para sugar as forças dele. No primeiro caso são guardiões do complexo, ou seja, pessoas
que conhecem o ambiente e percebem a desmedida de eventual ato; no segundo caso
são prisioneiros do complexo que
querem atrair todos para a sua visão limitada tendente ao auto aniquilamento. Por certo, o prisioneiro
tem um lado guardião e vice-versa. E ambos são fruto de aspirações por poder ou desejos
reprimidos do aspirante a herói em atuação dentro de um complexo, em razão
do desdobramento da memória
compartilhada. Aliás, o principal aspecto da individuação é tirar a motivação para os atos da vida de
indicações de mestres para colocar em um eixo próprio do individuando, ou seja,
apender a viver sem ter que confiar em algum familiar ou líder. Nesse sentido
vale a leitura: “Uma das maiores transgressões da mitologia grega (hibris) é o ser humano considerar-se
Deus, sendo, por isso, punido com grandes castigos.”[59].
Aqui o autor explicita a hibris como
viés do herói que visa engolir violentamente a alteridade, ou seja, quer simplesmente que todos ao seu redor lhe
reverenciem; desta maneira ignorando por completo a vontade daquela(s)
pessoa(s) que ele busca reverência. E o autor prossegue: “Essa equação
simbólica representa a transgressão do sistema
binário. Ao pretender-se indevidamente
unitária, a consciência decreta sua onipotência
e alienação.”. A frase transcrita pode ser dura, impiedosa ao indicar a alienação da consciência, mas é isto
que ocorre tal como vimos no personagem Anakim quando ele se aliena ao império na tentativa
frustrada de unificar seus dois polos, quais sejam, o subjetivismo da ordem
Jedi com o objetivismo dos Sith. De fato, seria maravilhoso se ele tivesse integrado esses opostos, mas como não
teve forças para fazê-lo, escolheu a rendição ao verticalismo coletivo manifesto pela administração pública, seja
antes pelo reconhecimento de mestre
Jedi, seja depois pelo posicionamento
de governante totalitário.
Realmente
se trata de uma estória com final muito infeliz: seus filhos foram criados sem
sua esposa e distantes dele; ele próprio nunca alcançou o cobiçado status de
mestre seja Jedi ou Sith.
Sob
uma perspectiva afetiva os títulos de mestre nada passariam de uma persona[60],
já a criação de seus filhos poderia se constituir em uma bela alteridade. Na
demanda da saga ele teve que escolher entre persona ou família e ficou com a primeira, a que de nada lhe
acrescentava afetivamente.
Em
suma, o conceito que a hibris engloba
é fundamental para a jornada de transformação. Se ela for mal sucedida teremos
o complexo de Édipo, ou seja, o
filho tomando o poder dos pais mediante atropelo desmedido deles. Se bem
sucedida teremos o parricídio simbólico.
No primeiro caso o filho não foi capaz de lidar com sua alteridade donde a onipotência
prevaleceu dentro do sistema binário.
No segundo caso o filho integrou a
alteridade familiar donde as estradas para um novo horizonte são
pavimentadas, notadamente por cair o sistema
binário.
Igualmente,
dentro de um contexto ordinário de transferência hereditária, vale tipificar a
diferença entre o parricídio literal e simbólico. No parricídio literal há a apropriação do poder paterno, mas também
suas chagas, ou seja, o filho que mata fisicamente os pais ou simplesmente pulsiona a morte deles, quando ela
ocorre há a passagem da influência
que os pais tinham sobre as demais pessoas ou coisas; e isso se manifesta pela
herança. Desta maneira, quando o filho se apropria violentamente da herança dos pais haverá a substituirá em sua
inteireza, absorvendo o cobiçado poder e sofrendo de suas limitações. Friso que
desejar ou pulsionar a morte dos pais
também é uma forma de violência, não física, mas psicológica, pois o filho usa a alteridade que possui dos pais
para destruí-los.
Vejamos,
Crono matou o pai para ter a atenção da mãe. E o que ganhou com isso? Pouco ou
nada, pois somente virou líder dos seus irmãos, liderança que poderia ter
desempenhado sem a castração, pois na barriga de Geia todos estavam juntos.
Lado outro perdeu sendo marcado de uma indigesta e terrível maldição familiar. Obviamente não
compensou.
E
Zeus, tinha necessidade de cometer parricídio? Nada mudou em sua vida, pois
seus companheiros de guerra passaram a companhias em seu reinado, ou seja, uma
simples continuidade. E, ainda se deu mal ganhando uma esposa super ciumenta que sabotava com
requintes de sadismo seus relacionamentos extraconjugais. Talvez se Zeus não
tivesse matado seus pais titânicos na guerra, em um pulsante complexo de Édipo, sua mãe estivesse
presente para segurar a onda da
esposa, o que garantiria menos tragédias
a entes queridos estranhos ao seu casamento, conforme conta a mitologia. É que
no Olimpo a união Zeus com Hera simboliza o casamento real em que a esposa
assume a função de dona de lar e considera eventuais filhos do marido com
outras mulheres como espúrios, e, portanto, passíveis de rejeição e,
eventualmente, perseguição. Nesse tipo de casamento, por encorpar a tradição típica de uma sociedade com
reinados e, portanto dualidade social há uma preocupação
entre os nubentes na autopreservação
da imagem, o que pela inversa, demonstra que os pais são reféns da alteridade
que seus filhos lhes dão, ou seja, Zeus e Hera, na qualidade de casal principal, se veem energizados
pela dinâmica que a prole garante em
troca do título de filhos principais da sociedade.
Isso
significa que o filho que a isso se submete estará imerso no verticalismo
porquanto o que lhe garante, nesse caso, a diferenciação,
como pessoa, não é algo que lhe é
próprio, mas sim o título de filho
do principal casal. Vale a leitura: “A relação tradicional homem-mulher
está configurada no hieros gamos
(casamento sagrado) de Zeus e Hera.”[61].
Aqui o sagrado não refere a alguma
espécie de sublimação, mas sim uma
demanda por respeito a título tipicamente monárquico, ou seja, com dualidade social entre quem tem título
ou riqueza face quem não tem. No ambiente desse tipo de casamento reúnem-se
visíveis características para afloramento
edipiano, posto que esse pareça o caminho mais lógico, aos olhos do filho,
para perpetuar seu poder vertical perante a sociedade, como entidade superior;
dessa maneira eternizando os ciclos de parricídio
até que algum filho tenha forças para trilhar caminhos independentes, ou que o
reinado se exaure.
Após
essas considerações, fica compreensível que o atentado de filho contra pais é
cometido com pretensão de solucionar
uma insatisfação. Mas essa visão
utilitária é fruto de uma percepção falsa da realidade que generaliza ao invés de discernir. Generaliza quando projeta nos pais suas próprias limitações ou
aspirações, ou seja, aquilo que está incomodando o filho, seja por excesso ou
falta, é um problema que ele tem que resolver consigo, mas ao invés disso culpa
os pais pela agonia que acredita estar sofrendo. Na realidade os pais podem, de
fato, representar um inadequado limite ao filho; mas ainda que o panorama seja
esse eles estão servindo como intermediários entre o filho e a sociedade. Em
outras palavras, quando o filho “se livra” dos pais o limite indireto cai e se levanta um ainda pior: a limitação direta
da sociedade, a qual é mais impiedosa por não ter afeto particularizado ao filho.
Portanto,
o discernimento é a capacidade de
perceber que mesmo quando os pais parecem “maus”, ou “burros”, ou “egoístas” ou
“indignos”, na avaliação do filho, isso se trata de uma visão unilateral e por
isso pobre de contexto. Então, discernir
é alcançar o autêntico afeto existente entre pais e filho, o qual em sua essência é sadio. Por exemplo,
imagine uma tribo em que perto de sua aldeia corre um largo rio. Então, o filho
quer tentar atravessá-lo e o pai impede alegando que o rio é intransponível.
Aí, se o filho projetar no pai a impossibilidade de transcurso irá odiá-lo por
isso. Isso é generalizar. Cabe ao filho conceber que não é porque o pai
acredita que o rio é intransponível que assim ele será. Discernir é o filho ser
capaz de perceber que a autoridade dos
pais nada mais é do que a visão de
seus genitores sobre o mundo.
Conclusão
A
superação empreendida pelo vitorioso parricídio
simbólico é holística, porque
pede por uma consciência sem preconceitos cujo funcionamento adota a visão do
todo como meio para a diferenciação.
Nossa sociedade caminha nesse sentido evolucional com as áreas de conhecimento
tendendo a se ocupar de uma visão sistêmica do problema sem o que não é
possível abordá-lo, ao invés de simplesmente considerá-lo algo isolado. O parricídio simbólico demanda essa linha
de atitude, pois as infantilidades carregadas para a vida adulta somente são
resolvidas compreendendo-se todo o contexto em que elas aparecem.
De
nada adianta cortar o dedo para sarar um machucado na unha. Na mesma linha
quando alguém não consegue se adaptar a nenhum emprego de nada adianta parar de
trabalhar. Ocorrendo dificuldades à inserção social é porque a pessoa carrega
algum trauma[62]
que provoca choques quando entra em contato com outra(s). Por isso parar de
trabalhar somente refletirá o fracasso de quem não consegue se adaptar laborativamente, ao passo de
utilizar a oportunidade para compreender suas limitações inatas. Nesse sentido:
“Quem não atravessar a morte subjetiva
dos pais repetirá a geração passada na segunda metade da vida. Essa morte,
obviamente, é metafórica, e não significa uma ruptura concreta no
relacionamento com os pais, mas um processo de polarização emocional.”[63].
A polarização emocional, na prática,
impõe que o filho não dependa do controle
emocional dos pais mais do que dependeria, nesse aspecto, de um amigo, por
isso que quem não trilhou o parricídio simbólico tende a repassar maldade, não só
no seio familiar e também em quaisquer complexos
que integre, na medida em que espera que o outro
engula sua vida afetiva. E quando esse outro
está no ambiente profissional o sujeito terá que lutar para se dar ao luxo de
agir como ditador, em favor de que suas atitudes infantilizadas não sejam criticadas em um plano de igualdade, até porque é comumente mais fácil assumir a
função ditatorial em família do que no trabalho, pois no campo profissional a
resistência costuma ser maior por existirem agentes econômicos independentes. Repassar maldade nada mais é do que engolir asperezas de alguém,
tomá-las como necessárias e então passá-las adiante, nos exatos termos da
primeira frase do trecho transcrito, sob a crença de que aquilo estragado que
se engolir deve ser também incorporado por quem vier depois.
Esse
mesmo autor, Byington, no inteiro teor do texto cuja transcrição se refere, faz
ponderações não trabalhadas usualmente na literatura, apesar da elevada
relevância. Após ele tecer algumas reflexões sobre o arquétipo da morte conclui pela necessidade de negar a dicotomia
vida face morte. Ele defende que a morte seja trazida para a vida e não vista
como uma expressão do pós-vida, na qualidade de experiência dissociada. De fato, o corpo se depara com a morte
desde o nascimento. Crescer como criança significa matar o tamanho anterior. As
células do corpo vivem em constante morte seguida de renascimento. No entanto,
o homem que se afasta do elã vital
tem sua consciência seduzida pela ideia de enganar
a morte, a qual é vista, equivocadamente, como uma necessidade premente, ou
seja, que irá acontecer no futuro. Daí, a importância de considerar a morte
como parte da vida, ou seja, haverá
morte quando a vida não estiver sendo exercida em sua plenitude.
Dessa
maneira é alcançada a integração dos opostos, dialética que os junguianos sabem
fundamental para que a sombra não
destrua a criatividade do ser. A questão é que quanto mais o homem tenta se proteger de um evento futuro e incerto,
mais ele fará parte desse evento, ou seja, quanto mais o homem temer a morte,
mais ela fará parte de sua vida: “Ou vivemos
essa morte sacrificando e ultrapassando o padrão patriarcal e abdicando
dela ou tenderemos a atuar o arquétipo da morte em nossa própria destruição.”[64].
Pois
bem, o homem pensa através do tempo-espaço e tal realidade pressupõe um fim.
Consequentemente, a consciência, utilizando-se de razão, pode se identificar
com a auto conservação o que implica
em deixar de viver o elã vital para
abraçar atitudes pseudo enganadoras
da morte. Pseudo porque funcionam ao
contrário: tem a pretensão de afastar a morte, mas servem a atraí-la. Portanto,
conviver conjugando o arquétipo da vida
com o da morte é a percepção que estar num mundo é um constante fluxo de
renascimento. Donde posso concluir que só
deve temer a morte quem não está utilizando todo seu potencial vital.
Feitas
essas considerações, vale ingressar na abordagem sistêmica da relação vida face morte quando
corretamente unificadas dentro de único plano. Existem os fluxo e seu contra movimento agindo
concomitantemente. O fluxo é a
manifestação da dependência ao meio
que começa com os cuidados dos pais ao bebê e se prolonga com o adulto que não se responsabiliza pelos seus atos.
Culpar o mundo pelas próprias limitações ou maus infortúnios é a fuga ao
enfrentamento que esse homem irresponsável percorre. Como exemplo, o principal
foco da astrologia projeta esse ideal, pois pressupõe que algo externo ao ser
influencia a sua vida inescapavelmente. Já a outra força, o contra fluxo, é o despertar da criança
que se inicia na infância quando ela se choca com a ideia de ser dona do
próprio nariz e termina quando toma para si a responsabilidade de tudo que lhe
acontece.
Dentro
do fluxo há dois principais vetores:
a força da natureza; e a cumplicidade coletiva. Quanto à força da natureza é a vontade
primordial do mundo que manifesta no homem expressa a busca frenética pela estética perfeita, ou seja, qualquer
atitude com a finalidade de alcançar
dinamismo. Tal ímpeto por conformação objetiva o sentir bem como fim em si
mesmo; mas o prazer não é fim, é sim meio. E, o pior: se o ser alcança a
finalidade que visou tende à morte na
praia, pois a natureza se auto realiza quando alcança seu
objetivo, notadamente pela sua característica de força motriz una. Quanto à cumplicidade
coletiva é o desejo de se inserir no dinamismo mediante apoio pelos iguais.
Deriva da reunião de duas ou mais pessoas que se unem para defenderem a mesma
ideia desconectada da dinâmica da
vida, em benefício dos resíduos verticais que contaminam a psique deles.
Consequentemente, o homem permanece, caso opte por se render a esse fluxo, se
sentindo confortável ante o apoio de seu(s) “amigo(s)”, mesmo se afastando do
autêntico dinamismo ou elã vital. É
claro que quanto mais o ser se apoiar nesse fluxo pior será quando ele acordar,
se manifestar tal força, e quiser se desvencilhar, pois o inconsciente vai se acostumando com a mentira que sustenta o pseudo dinamismo da dupla ou grupo.
O
contra fluxo é a diferenciação
junguiana ou o intervalo bergsoniano, ou seja, a capacidade do homem reconhecer
os dois vetores do fluxo, não sucumbir a eles e ainda ter forças criativas para
reorganizar a realidade a seu favor.
É a opção pelo caminho que lhe garanta total aproveitamento das próprias
potencialidades.
Assumir
a responsabilidade é um ato de
coragem na medida em que perfaz avanço a crenças passadas, pois o homem tem que
saltar o obstáculo da zona de
conforto, adquirida pelos cuidados que teve em seu desenvolvimento natural,
começando com a gestação e indo até a infância. Não é a toa que o último
estágio de evolução negocial é o compartilhamento, pois ele demanda atitude
além da estagnação cíclica da natureza;
indo além, também, dos limites da pseudo
dinâmica dos verticalismo partidários.
Por
sua vez, a natureza só demanda uma força
motriz regendo o todo enquanto o compartilhamento implica em duas ou mais
forças motrizes. Entenda-se força motriz como demanda psicológica, ou seja, na natureza todos estão submetidos
unicamente as forças dela como grande mãe. Já no Facebook existem várias forças
psicológicas atuando: o compartilhamento de informações ganha vida tanto no aspecto subjetivo envolvendo pessoas
quanto no aspecto objetivo mediante
o conteúdo de documentos ou imagens postadas. E, o mural é uma pioneira
expressão de mundo sem administração ideológica, seja una ou partidária:
qualquer um pode postar qualquer dado a qualquer momento, e ninguém recebe
email ou fica sabendo a não ser que se interesse em acessar o mural. E, depois
de postado quem postou ganha pequenos poderes de administração, que se resumem
a explanar aos participantes o funcionamento da própria visão, o que no fundo
coloca em questão o relacionamento entre si dos participantes, ou seja, um
verdadeiro caldeirão alquímico reunindo
os aspectos subjetivos e objetivos a tornar consciente aquilo que é encenado.
Já
a cumplicidade coletiva, tipicamente
partidária, oferece pseudo estabilidade a quem tem medo de
inovar; e o compartilhamento é uma constante ameaça a essa inércia. Como reza o
ditado, a manada só é forte unida: se perderam o elã vital para se apoiarem uns nos outros então não lhes
interessa conhecer outra realidade, pois como manada estão todos engessados.
Compartilhamentos de informações, ou
práticas comerciais com esses valores, que hoje são feitos em sites ou no
mercado empresarial ganham vida em razão do estágio de evolução alcançado, sem
paradigmas anteriores. Compartilhar informações, inclusive parcerias tomadas
por grupos ideologicamente concorrentes,
indica que os protagonistas nessa relação possuem uma alteridade sadia, na medida em que para aceitar o diferente é
porque não está ocorrendo dinâmica que não possa ser exposta a luz do dia.
O
herói aqui, no melhor sentido de jornada
transformadora, não é aquele que desbanca o inimigo para casar com a
princesa, mas sim aquele dotado do poder de agregar os grupos diferentes
mediante o verdadeiro discernimento,
qual seja, a visão que vai além das aparências para conhecer as forças que
energizam cada posicionamento. Não é a toa que sendo o observador a causa do que acontece, fê-lo a base de suas convicções
também inconscientes donde cada
posição que alguém manifesta pode ser abordada com respeito.
Reorganizar a realidade, então, deixa
de ser ato divino para se inserir dentro das faculdades do homem responsável,
daquele que percebe que o constante funcionamento da psique demanda uma
abertura inequívoca às demandas paradoxais que se impõe a cada momento. É de
fato abraçar o sentimento que tudo que acontece no mundo é causado por quem está observando, no caso você!
Igualmente,
o propósito do presente estudo pode ser simplificado em uma frase: a vida só é tolerável para quem navega no
dinamismo de quem não possui bloqueio vertical. Suscito que a dissociação
entre Jung e Freud se deu por causa da aceitação do inconsciente coletivo, pois para Freud o psiquismo se exaure no complexo familiar. Ocorre que, conforme
defendido ao longo do presente estudo, o inconsciente
coletivo também é fundamentalmente orientado pela relação entre pais e
filho, ou seja, o que o filho encontrará na sociedade é um espelhamento de sua vivência com os pais. Portanto, se Freud
tivesse pesquisado a fundo a teoria junguiana poderia conciliá-la com a sua,
tornando-a perfeita. É que mesmo admitindo a validade do inconsciente coletivo, a fonte desse parâmetro não vai além do
vínculo entre pais e filhos, a mais autêntica expressão da energia sexual.
Bibliografia
Básica
NIETZSCHE, Friedrich, Além do Bem e do Mal, Editora Companhia de Bolso,
2005, São Paulo/SP.
BYINGTON, Carlos - organizador, Moitará 1, O Simbolismo nas Culturas
Indígenas Brasileiras, editora Paulus, 2006, São Paulo/SP.
CAMPBELL, Joseph, O herói de Mil Faces, Editora pensamento, 2007, São
Paulo/SP.
BOECHAT, Walter, A Mitopoese da Psique, Editora Vozes, segunda edição,
2008, Petrópolis/RJ.
CAMPBELL, Joseph, Mito e Transformação, Editora Ágora, 2008, São
Paulo/SP.
HESÍODO, Teogonia e Trabalhos e Dias, Martin Claret, 2010, São Paulo/SP.
JUNG, Carl Gustav, O homem e seus
Símbolos, Editora Nova Fronteira, 2008, Rio de Janeiro/RJ.
JUNG, Carl Gustav, O Livro
Vermelho, Editora Vozes, 2010, Petrópolis/ RJ.
NIETZSCHE, Friedrich, Genealogia da Moral, Editora Companhia de Bolso,
2011, Petrópolis/RJ.
NIETZSCHE, Friedrich, Vontade de Potência, Editora Vozes, 2011,
Petrópolis/RJ.
CAMPBELL, Joseph, O Poder do Mito,
vigésima oitiva edição, Editora Palas Athena, 2011, São Paulo/SP.
BERGSON, Henri, Memória e Vida,
segunda edição, Editora Martins Fontes, 2011, São Paulo/SP.
BARTLETT, Sarah, A Bíblia da
Mitologia, Editora Pensamento, 2012, São Paulo/SP.
JUNG, Carl Gustav, Tipos
Psicológicos, sexta edição, Editora Vozes, 2012, Petrópolis RJ.
JUNG, Carl Gustav, Memórias,
Sonhos, Reflexões, Saraiva de bolso, Editora Saraiva, 2012, São Paulo/SP.
JUNG, Carl Gustav, Os Arquétipos e
o Inconsciente Coletivo, oitava edição, Editora Vozes, 2012, Petrópolis RJ.
JUNG, Carl Gustav, O Segredo da
Flor de Ouro, décima quarta edição, Editora Vozes, 2012, Petrópolis RJ.
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, Martin Claret, 2012, São Paulo/SP.
FERNANDES, Isabela e Flávia Schlee
Eyler, A Vida, a Morte e as Paixões no Mundo Antigo: novas perspectivas,
editora Cassará, 2012, Rio de Janeiro/RJ.
CAMPBELL, Joseph, O poder do Mito,
edição especial em quatro DVDs, Log On Editora Multimídia, São Paulo/SP.
Bibliografia
Complementar
CAMPBELL, Joseph, A Jornada do
Herói – Vida e Obra, Editora Ágora, 1999, São Paulo/SP.
ARISTÓTELES, Poética, Editora Imprensa Nacional, 2003, Brasília/DF.
EINSTEIN: Os 100 anos da Teoria da Relatividade, editora Campus, 2005,
Rio de Janeiro/RJ.
SPINOZA, Ética, Editora Autêntica, 2007, Belo Horizonte/MG.
SÓCRATES, Apologia de, editora L&PM, 2008, Porto Alegres/RS.
GOUVEA, Alvaro de Pinheiro, Cine Imaginarium, editora PUC/Rio, 2008, Rio
de Janeiro/RJ.
O Banquete, Editora L&PM Pocket, 2008, Porto Alegre/RS.
SÊNECA, Sobre a Brevidade da Vida,
L&PM Pocket, 2011, Porto Alegre/RS.
SÊNECA, Da Tranquilidade da Alma,
L&PM Pocket, 2011, Porto Alegre/RS.
NIETZSCHE, Friedrich, Crepúsculo dos Ídolos, Editora L&PM Pocket,
2009, Porto Alegre/RS.
NIETZSCHE, Friedrich, Assim falava Zaratustra, Editora Vozes, 2011,
Petrópolis/RJ.
NIETZSCHE, Friedrich, A Gaia Ciência, Editora Martin Claret, 2011, São
Paulo/SP.
JUNG, Carl Gustav, A Criança Divina,
Editora Vozes, 2011, Petrópolis RJ.
GOETHE, Fausto, editora Martin
Claret, São Paulo/SP.
Versão
eletrônica do diálogo platônico “Górgias”, Tradução: Carlos Alberto Nunes Créditos
da digitalização: Membros do grupo de discussão A Acrópolis (Filosofia)Homepage
do grupo: http://br.egroups.com/group/acropolis/.
Foto da Pedra da Macumba, no Rio de Janeiro, ilustrando a relação consciente inconsciente sob a
representação de força da natureza.
O trecho de areia normalmente está tocando a pedra, inclusive com maior área,
mas às vezes a areia some e a água se junta, indo de um lado ao outro. Demonstra
como uma mente sadia pode operar, notadamente mantendo sua integridade em
qualquer circunstância, mesmo em situações extremas, seja no ápice da fase de
mudanças, seja no ápice da fase de estabilidade.
A transformação, no sentido de mudança para melhor também indicada
pelo intervalo bergsoniano, aqui
aparece metaforicamente em sua forma autêntica, atemporal, ou seja, não se
transforma somente quem muda a si próprio, mas, principalmente quem não muda
mesmo ante a atuação de forças deformadoras.
[1]
Conceito importante na psicologia e que pode ser explicado de inúmeras
perspectivas. Exprime a ideia de que o mundo, no sentido de tempo e espaço, é
um cenário onde o ser, cada um de nós (o observador), é um protagonista de uma
estória cujo roteiro vai além da vontade de si. E, essa parte que sai do
controle da cada um é depositada nos outros. Então, a vontade dos outros que
afetam o observador é a alteridade.
[2] CAMPBELL. O Herói de Mil Faces. Página 20.
[3]
Emprego “verticalismo” com o significado de
vulnerabilidade, ou seja, uma visão limitada da realidade que acua o
sujeito causada pelo bloqueio entre
a percepção da mente do observador e uma dinâmica universal. O bloqueio é a necessidade do filho em concordar com os
pais, ou ceder as crenças deles como eles o fazem.
[4]
Toda violência é consequência sistêmica de segregação, a qual deriva do
sentimento de vulnerabilidade: o sujeito anseia proteção. A proteção exige
segregação. Aí a segregação é forjada mediante violência seja moral ou física.
[5]
Primeira dissertação, verso 13, Genealogia
da Moral.
[6] Byington.
Moitará 1. Página 63.
[7]
Byington. Moitará 1. Página 44.
[8]
Campbell. Herói de Mil Faces. Página
18.
[9]
Boechat. Mitopoese da Psique. Página
50.
[10]
Religiões milenares que ecoam até hoje absorveram alguns de seus métodos no
período grego antigo. Catolicismo é um exemplo disto.
[11]
Consta na mídia “O Poder do Mito”
filmagem num almoço com Campbell em que o cineastra fala sobre a expressão
mitológica da saga. Aliás, eles ficaram amigos depois da primeira trilogia
filmada, mas Lucas para fazê-las leu os livros de Campbell. A Entrevista
Campbell – Moyers que deu origem ao livro e a mídia foi gravada na biblioteca
da Lucasfilm Ltd., Rancho Skywalker, em San Rafael, Califórnia.
[12]
Campbell. O Poder do Mito. Página 19.
[13]
Boechat. A Mitopoese da Psique.
Página 21.
[14]
Aspectos objetivos: documentos, lugares, instrumentos, normas. Aspectos
subjetivos: vontade ou intenção das pessoas envolvidas.
[15]
Jung. Os Arquétipos e o Inconsciente
Coletivo. Página 68.
[16]
Campbell. O Poder do Mito. Página 52.
[17]
Divindades são representações não conscientes sobre autoridades, ou seja, quando alguém não consegue diferenciar seu próprio mito, então,
fica sujeito a tomar atitudes por mera obediência. O inconsciente projeta no
mundo figuras de autoridades nas pessoas em que o observador se sujeita, sejam
ela vivas ou lendárias.
[18]
Utilizo a palavra “amor” não em seu significado glamourizado, mas no sentido de
vínculo que demandou o ato sexual; relação essa que existe até no estupro, pois
mesmo sem ser consentido existe uma atração sistêmica, segundo o conceito de relação de forças lecionado por
Nietzsche. Vide livro Vontade de Potência.
[19]
Boechat. A Mitopoese da Psique.
Página 144.
[20]
Idem.
[21]
Jung. O Segredo da Flor de Ouro.
Página 47.
[22]
Hesíodo. Teogonia. Verso 155.
[23]
A expressão titã se aproxima do grego Rei.
Mas a ideia que Urano quis passar a seu filho é que agora ele teria que
governar forças que ele não consegue controlar totalmente. Daí, o insulto no
sentido de acusá-lo de irresponsável por se meter
no que não devia.
[24]
Hesíodo. Teogonia. Verso 176.
[25]
Hesíodo. Teogonia. Verso 208.
[26]
Boechat. A Mitopoese da Psique.
Página 67.
[27]
Hesiodo. Teogonia. Verso 170: “Mãe,
eu posso me encarregar dessa empresa, pois não reverencio nosso pai, de maligno
nome, por ter sido ele quem primeiro tramou ações indignas.”.
[28]
É o símbolo de alguém que assume,
solitariamente, a culpa por algo indesejável que na realidade é uma prática de
todo o grupo, inclusive daqueles que acusam o bode. Identifico no expiatório o
mesmo impulso transcendente
encontrado no arquétipo do herói, pois ambos se empenham em jornadas pioneiras,
sendo que esse o faz de uma forma ativa, empreendedora; enquanto aquele o faz
de forma reflexiva. Mas eles equivalem na maneira franca com que abordam a
realidade se apegando menos à proteção da manada, via ordinária da sociedade.
Aliás, é comum começar a jornada com o simbolismo de um e terminar com o do
outro, podendo citar tanto casos literários, mitológicos ou religiosos: o grego
Sócrates era tido como um intelectual respeitoso com um irrepreensível
histórico guerreiro e acabou condenado a morte em Atenas por transgredir normas
coletivas, conforme a Apologia de
Sócrates; o Titã Prometeu se aventurou heroicamente pelos homens e acabou
condenado por Zeus, conforme narra Hesíodo. Cristo também heroicamente lutou
pelos seus discípulos e acabou condenado a morte por Roma, conforme a Bíblia Católica.
[29]
Jung. Tipos Psicológicos. Verso 946.
Página 511.
[30]
Boechat. A Mitopoese da Psique.
Página 158.
[31]
Hesíodo. Teogonia. Verso 453.
[32]
Idem, verso 466.
[33]
Idem, verso 460.
[34]
Urano após a castração deixou de cobrir somente sua esposa quando se afastou
dela e passou a cobrir a todos na qualidade de céu, deixando claro, portanto,
sua representação de força da natureza,
continuando a influenciar seu filho como tal.
[35]
Hesíodo. Teogonia. Verso 470.
[36]
Idem, verso 867.
[37]
Idem, verso 730.
[38]
“Nos confins da terra, coagido por
poderosos desígnios, Atlas sustenta
o vasto céu sobre sua cabeça, de pé,
com infatigáveis braços, diante das Hespérides de doce voz.” (verso 516).
[39]
Boechat. A Mitopoese da Psique.
Página 50.
[40]
Elã vital é um conceito bergsoniano muito parecido com o movimento que conduz a
individuação de Jung, e exprime um estado de compatibilidade harmônica que
garante uma abertura a qual oportuniza uma clarividência capaz de contrastar o
particular face o universal. Para Bergson o universal é perfeito.
[41]
Boechat. A Mitopoese da Psique.
Página 50.
[42]
A expressão “arquétipo da alteridade”
é usual nos textos do autor Byington e tem o mesmo sentido de horizontalismo no
presente trabalho. Significam a mesma condição, pois não há horizontalismo sem
respeito ao outro; assim como não há arquétipo
da alteridade sem igualdade.
[43]
Campbell. O Herói de Mil Faces.
Página 141.
[44]
Jung. Tipos Psicológicos. Verso 990.
[45]
Os Jedis faziam uma medição sanguínea que mostraria o potencial da pessoa para
os fins da ordem, notadamente intuição e afetividade, conforme explicado em
conversas ao longo da saga.
[46]
Jung deixa claro ao longo do livro Tipos
Psicológicos que as distinções que faz: “não tem a finalidade, em si
bastante inútil, de dividir as pessoas em categorias; significa, antes, uma
psicologia crítica que possibilite a investigação
e ordenação metódicas dos materiais empíricos relacionados à psique.”.
(contracapa do livro citando trecho do mesmo).
[47]
Segundo Yoda, em Star Wars I, os
Siths sempre andam em dupla. Ele não explicou a razão, mas é clara: Para ter um
mestre e um aprendiz, sendo que o primeiro agirá como divindade e o segundo
como carrasco desses “poderes divinos”. É a forma como os Siths preenchem a alteridade entre eles.
[48]
“Ambos os modos de pensar sentem o outro como usurpação, surgindo então o
efeito sombra que um projeta sobre o
outro. O pensar subjetivamente orientado parece mera arbitrariedade e o pensar
extrovertido, incomensurável chatice e banalidade. Por isso os dois pontos de
vista se digladiam sem tréguas.”. Tipos
Psicológicos, página 359.
[49]
Para maiores referências
sobre híbris vide Isabela Fernandes e
Flávia Schlee Eyler. A vida, a Morte e as
Paixões no Mundo Antigo.
[50]
Campbell. O Herói de Mil Faces.
Página 50.
[51] Boechat. A
Mitopoese da Psique. Página 78.
[52]
Jung. Tipos Psicológicos. Verso 796.
[53]
Bergson. Memória e Vida. Página 174.
[54]
Para Bergson intervalo é a maior
expressão de evolução do homem: a capacidade em escolher de acordo com suas próprias convicções.
[55]
Bergson. Memória e Vida. Página 133.
[57]
Boechat. A Mitopoese da Psique.
Página 87.
[58] A Bíblia da Mitologia. Página 14.
[59]
Byington. Moitará 1. Página 247.
[60]
“A identidade com a persona
determina automaticamente uma identidade inconsciente com a alma.”(Jung. Tipos Psicológicos. Verso 761). Para Jung, a persona encerra uma máscara
social que deve ser pelo seu dono contida, dominada; mas se o contrário
acontece o fim trágico é certo. Como o oposto da persona no campo interno é a
alma, então, se a persona estiver alienada, a consequência relacional será a
alienação da alma, donde a capacidade
criativa desaparece e o homem se afasta da individuação pelo que estará
fadado a receber do mundo o fim que o complexo
a que ele se alienou quiser lhe dar.
[61]
Boechat. A Mitopoese da Psique. Página 93.
[62]
Um trauma psicológico não é tão fácil de visualizar como o físico. Alguém que
corriqueiramente toma atitudes danosas ou penosas para si é sinal de um trauma
que como não é resolvido pela própria pessoa é por ela incorporado como
simplesmente uma situação do cotidiano.
[63]
Byington. Moitará 1. Página 62.
[64]
Idem, página 90.